Rebolei desamparada por aqueles desfiladeiros tortuosos, esbarrei com espirais e ângulos reentrantes, espremi-me contra passagens sufocadoras e, finalmente, caí de supetão na fronteira entre dois hemisférios; uma ponte deveras apinhada de trabalhadores solícitos e compenetrados nas suas funções, cada um carregando o fardo que lhe competia carregar, quase todos transportando um pacotinho electrizante, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.
Raros, mas visíveis, pelo meio daquela rígida eficácia, alguns deles denotavam alguma preguiça, esticando os cinco e os dez braços num acto pachorrento e melado, arrastando o passo e atropelando com displicência o ritmo cadenciado dos restantes. Sobre estes, recaía a imediata atenção dos vigilantes receptores neuronais, que, dum lado e do outro, os encaminhavam para um sector definido. Uma porta rapidamente aberta e de novo fechada, deixava entrever num relance, uma cabina de duche, de onde se evaporavam os característicos aromas glicosados de cafeína, retemperadores do adormecimento.
De repente, um tremor, ao longe uma faísca, e logo depois o ribombar cavernoso de um trovão. Águas agitadas sob a ponte a gingar perigosamente, vagas gigantes que se abatem, encrespadas em leque, inundando os mais recônditos interstícios, um escuro medonho e sobrecarregado de tensões, um frémito urgente em disparar o passo, um tornado instantâneo e uma descarga fulgorosa, de pacotinhos electrizantes que se deslocam à velocidade da luz.
Ainda me abraço teimosamente aos esteios da ponte, exausta, encharcada e deslumbrada quando tudo termina. Do exterior chegam risos, palmas, gritos de vitória e até eurecas, pelo resultado evidentemente profícuo, da mais intensa tempestade cerebral a que assisti.
13 comentários:
:) Ainda bem que o brainstorming foi profícuo... e mereceu palmas. Palmas também para o relato depois da tempestade!!
O brainstorming tem efeitos devastadores; eu prefiro o brainsoothing, bem mais eficaz. :)
Excelente decrição duma labuta sempre e constante do que por vezes se passa em breves instantes na nossa cabeça, muitas vezes sem darmos conta, pois é tudo tão naturalmente natural...
Que seria de nós sem eles!?
Nestas situações aconselho a utilizar a técnica dos 6 chapéus.
O que eu dava para ter uma dor de cabeça tão magnânima como essa.
E viu as ideias, Si? De que forma eram? Ou será que o(a) narrador(a) é, ele(a) próprio(a) uma ideia? ;-D
Luísa,
Durante a tempestade, acho que ficou mais uma 'vaga' ideia... ;D
Sai uma Aspirina 500mg. hehe
De como do caos pode surgir a magia, nas palavras da Si para nós.
Tb precisava, precisava mesmo.bjs
Lembrarás tu que as manhãs
Acordam da tua luz fugidia
És esperança de perdida estrela
Quem recolhe a dor em Deus confia
Assombração que o luar esqueceu
Nas margens de um lago azul
Hoje passou a voar por mim
A última garça a caminho do sul
Era alva como a espuma do mar
Graciosa como mulher feliz
Voava de encontro ao vento
Com olhar brilhante de petiz
Boa semana
Doce beijo
Linsa dor de cabeça.
Os americanos chamam-lhe brainstorm, mas não a descrevem com estas palavras.Muita imaginação é no que dá.
Beijinhos de mim para Si
A cefaleia mais poética e narrativa que já vi, li!
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