terça-feira, 12 de outubro de 2010

pontos fina(iS)


Tenho-me tricotado todos os dias dos meus anos. Os pontos que, de início, me eram imperfeitos e apressados, foram-se tornando mais firmes e decididos e as voltas, alucinantes, em torneados lentamente amadurecidos, mas a que não falta o vigor da certeza com que os faço ou desfaço. Porque há enganos que é preciso corrigir e não remendar.
E assim vou vivendo, fazendo os possíveis para que a meada não se embarace em nós intrincados, se esfie ou se parta, deixando correr o fio por entre os dedos, transformando-o numa peça única, uma história só minha.
Tricotando todo o novelo a que tenho direito.


E pronto.
Dois anos depois, termina esta aventura.
Despeço-me do Blogobairro com um sorriso estampado na cara 
e a certeza de ter tido uma sorte imensa com o gabarito 
de todos e cada um dos vizinhos que nela me acompanharam
e com quem fui construindo uma amizade virtual.

À Patti, Gi, CBO, Paulofski, Pitanga, 
Rita F, Luísa, Fugi, GJ, Annie, Justine,
Rosa e Kristal, um abraço um pouquinho
  mais apertado...

Até um dia, vizinhança!!!!  

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

(re)nascer



Morrera.
Partira, sem dizer adeus, de sorriso aberto nos lábios, confiante que entre o cerrar das pálpebras e o despertar, deslizando sobre o rubro tapete de acesso à eternidade, não demoraria mais do que um pestanejar.
Tal era a sua fé.
E caminhou, segura nos passos, na direcção, no sentido das coisas.
Aqui e ali, despojou-se dos pequenos fardos da existência, pendurando os abafos de mágoas, pousando as malas de recordações, aliviando-se do aperto de amarras, transparecendo-se.
Lavou-se, despida e desnuda de porquês e de razões, purificou-se, atravessando o crivo finíssimo da imperfeição.
Estava pronta.
Aninhou-se em posição fetal e guardou-se, aguardando um novo acordar, ali, onde a consciência guarda a alma.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

o bibliotecário de sonhos


Naquela casa imponente vivia um homem só.
Na tabuleta suspensa no portão do fim da cerca, dizia 'Proibida a Entrada'.
Mesmo assim, entrei.
Avancei pelo caminho calcetado de musgo, a afundar os pés. Por momentos fui raíz  trepadora da vereda acima, um passo e outro a querer pertencer ali; pela sedução, pelo mistério das coisas que não sabia.
Deixei pendente um suspiro ao chegar ao colosso de lenho vivo transformado em porta. Rangendo, cedeu-me a vontade de prosseguir na descoberta e ele nem deu por mim.
Estava sentado numa cadeira de fumo e movia-se, cadeira e tudo, com a destreza que só os Etéreos possuem: de um lado para o outro, acima, abaixo e mais além; carregado sem esforço, de volumes de caixas decoradas com símbolos secretos.
Deslocava-as com um girar do indicador, apontando em várias direcções da vasta sala, pequena afinal para a imensidade da função: ali se guardavam, metodicamente, todos os sonhos da raça humana; os de grandeza, os puros, os pecaminosos, infantis, coloridos, a preto e branco. Até os cor-de-rosa, os de voar e de cair, todos catalogados, seriados e identificados, prontos a usar; bastaria um girar de indicador.
Deslumbrei-me. 
Quis levar os melhores comigo, escolhê-los a dedo para sonhar bem toda a vida; quis povoar-me de noites evadidas de destinos já urdidos, sonhar alto e alcançar os nunca sonhados. 
Quando dei por mim, sonhava.
O bibliotecário de sonhos, catalogou-me, seriou-me, identificou-me e guardou-me numa caixa decorada com símbolos secretos.
Na tabuleta suspensa no portão do fim da cerca, dizia 'Proibida a Saída'.


Em fundo, 'Dreamcatcher' dos Secret Garden