segunda-feira, 26 de julho de 2010

onda do mar


foto minha, Peniche 2010

Tocas-me com os dedos
Brancos de espuma
Molhados de sal
Frios como a bruma
Esse afago arrepia-me
Sinto-me estremecer
E enrolada no teu abraço
Deixo-me adormecer


(Post publicado em 13 de Outubro de 2008)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

caída do céu

sou gota de orvalho
e este é meu fado,
cair desamparada
num fio delicado.
em fio delicado
cair sobre a folha,
não em chuva agreste,
nem que tolos molha,
mas apenas em gota
que do céu cai,
e o vento empurra
sabendo onde vai.
não molho a folha
para me poupar,
meu destino é outro
que vou encontrar.
em perfeita gota,
continuo a descer,
vou até ao caule
em lento escorrer,
para a boca que espera
a altura de me ter,
no seio da flor
a quem dou de beber


(Post publicado em 16 de Dezembro de 2008)


Em fundo, Train - Drops of Jupiter

segunda-feira, 12 de julho de 2010

contra-tempos



Na mais ordenada casa
surgem contratempos,
que tal como se indica,
atrasam o tempo dos tempos
que todos atribuímos
na gestão dos nossos momentos.
É deveras irritante,
esta mania de contradizer,
pondo de pernas para o ar
o que planeámos fazer.
Ora, se há horários,
se há horas a cumprir,
porque raio haverá também
um tempo de lhes fugir?
Sinceramente, não entendo
esta forma que o tempo tem
de, na vez de correr sereno,
correr como lhe convém.
Será qu'inda não percebeu
que n'altura em que desandou
passou o tempo a desfazer
o que o Tempo determinou
estar na altura de fazer?
Ai, Senhor Tempo,
meu rico Senhor Tempo,
diga lá o que fazemos
se inventa um contratempo?
Como vamos encontrar
um tempo definido
de forma a recuperar
aquele tempo já perdido?
Em boa verdade lhe digo,
a minha modesta posição
que neste ano que se inicia
tomo como resolução:
Não mais vou perder tempo
com tempo que não tenho,
e aproveitar cada momento
com o tempo que detenho.
É que só assim eu resolvo
esta luta contra o tempo,
aquele que teima em passar
mesmo contra o contratempo.


(Post publicado em 06 de Janeiro de 2009)

Em fundo, Time - Pink Floyd

sábado, 10 de julho de 2010

ementa de verão


A mesa está posta, a ementa preparada, só falta a companhia.
Escolham o lugar e sentem-se.
Já a partir de 2ª feira e durante as próximas semanas, convido-vos a recordar comigo alguns dos textos que fui publicando aqui.
Para apreciar com calma, esticando a preguiça das tardes de Verão.  



Em fundo, Leona Lewis - Summertime 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

(in)satisfações



Nas minhas recentes deambulações, percebi que, volta e meia, se queixam.
Ora porque está um frio glaciar, ora porque está um calor sahariano.
Ora porque chove demais, ora porque a seca não dá tréguas.
E têm abafos, guarda-chuvas, impermeáveis, aquecedores, ares condicionados, leques, tapa-ventos, pára-sois e pára outras maleitas, termóstatos reguladores, torneiras e finezas quejandas.

Pois eu pergunto: que diriam vocês se estivessem sempre ao relento, como as minhas minhocas, os meus bichinhos de conta, os bichos da seda, as borboletas, as libelinhas, as abelhas e as minhas muito queridas joaninhas lá do quintal?
Expliquem-se, vá, expliquem-se!


Em fundo, , 'Hot and Cold' de Kate Perry

quinta-feira, 1 de julho de 2010

dela o início, meu o final # 3


Era uma vez um conto que começava aqui, 


e continua assim:

Até à passada 4ª feira.
Aconchegada pela manta de crochet, há já um par de dias que Maria preferia o outro canto do jardim. Ali, o sol espraia-se até mais tarde e a nortada desvia-se no limoeiro.
Não desistira de indagar sobre o pianista, nem ele de tocar pela noite dentro, apenas se forçara a pensar que os mistérios e as fantasias lúgubres pertencem ao mundo dos livros, às páginas inteiras dos romances que lhe enchem as prateleiras e pesam sobre o colo.
Assim, dificultava a tentação de espreitar para lá do muro e embrenhava-se furiosamente nas linhas impressas dos tomos que escolhera para companhia.
Até à passada 4ª feira, logo pela alvorada.
Um ranger de dobradiças arrepiou-lhe a pele sob as rosetas de lã e o som de passos arrastados alvoroçou-lhe o coração.
Pelo meio da névoa matinal, vislumbrou uma silhueta esguia, envolta num pijama demasiado largo e deslocando-se em movimentos sincopados ao longo do pátio; estranhamente, reconheceu neles ritmos e cadências, compassos quaternários, ligeirezas e pausas que iam ficando desenhadas pelos pés, na fina camada de areia.
Maria quase não se permitiu a respirar. O músico dormia profundamente.
Sonâmbulo, passou horas a riscar no chão folhas de pauta, cheias de bemóis e sustenidos, notas incómodas, sonhadas de dia e que haveria de tocar à noite, roubando a outros as horas de sono a que os génios não têm direito.


Em fundo, 'Claire de Lune' - Debussy