Escrevo, porque escrevo.
Escrevo porque me dá um prazer enorme brincar com as palavras, arrancar de mim bocados de pensamentos desordenados, obrigá-los a ganhar juízo e sentido, divagar, discorrer, dissertar sobre um tema, um título, uma imagem, preencher espaços em branco, alinhando letras numa fila indiana, tão certinha, tão diferente daquela amálgama intermitente que ora vai, ora vem, no cimo e no interior da nossa testa.
Adoro fechar os olhos e vê-los passar. Correm tão rápido que, às vezes, só sei que passaram e me disseram algo, naquele milionésimo de segundo, para logo desaparecerem sem deixar rasto nem memória: são os fugazes, os fugidios, os escorregadios, umas vezes por timidez, outras por puro escárnio, quando revelam ideias geniais ou palermas, não cerceadas pela consciência, ou quando nos deixam o travo de serem importantes, demasiado importantes para se demorarem, tão ocupados que andam a reunir argumentos.
Os que voltam, são os conscientes. Apercebem-se daquilo que poderão ajudar no acto de pensar, e deixam-se apreciar mais demoradamente, com uma vaidade estudada, como modelos de alta costura, apresentando facetas diferentes, de acordo com o ângulo da luz a que os vemos. São também os mais arrumadinhos nas justificações, colocando sempre de um lado e do outro de uma balança, os sins e os nãos que os amparam.
E há aqueles que são omnipresentes. Os que constituem a base do nosso raciocínio, e que por isso, são mais gordos e substanciais. Foram alimentados pela educação dos nossos pais, que os ajudaram a crescer com carinho e segurança, vestiram-se de experiências e consciências ancestrais e sociais, aumentaram o seu peso nas nossas vontades, determinam e impõem a nossa maneira de ver o mundo. É com estes que nos degladiamos e defendemos dos perigos do mundo e das armadilhas da raça humana, espartilhando-os num funil de limites que impedem que o mais puro do instinto animal derrube todas as barreiras, rasgue todas as convenções, estraçalhe culturas e extravaze para o comportamento bestial.
Finalmente, os inconscientes. Aqueles que nos surgem em alturas em que não pensamos de olhos abertos e que aproveitam a escuridão para se revelarem, manhosos ou inocentes, desconexos ou reveladores, intensos ou indeléveis, que se escoam da peneira fina na boca do funil e vêm, cobertos de um véu de nevoeiro, ocupar o espaço dos sentidos adormecidos.
Uma coisa é certa: são todos eles que comandam as minhas mãos e os meus dedos, que percorrem este teclado ao sabor das suas ordens. Tão certa, como eu saber que, quando comecei a olhar para este espaço vazio, não era nada disto que pretendia escrever.
14 comentários:
Quem corre por gôsto, não cansa...
Quem com prazer escreve, nunca lhe doem os dedos.
Quem tem Alma como tu tens, nunca se acaba a inspiração.
Que continues a escrever porque sim! Nós gostamos.
PO
vilaforte
Também escrevo porque ... escrevo.
Sou uma escriba, sei disso; nunca serei escritora, também sei disso.
Oh Si, que explicadinha! Quem me dera saber esses porquês todos, interpretá-los, discorrê-los desta forma tão clara como tão bem a Si sabe fazer.
Se eu tiver de escolher um pensamento que me flua para o papel, escolho os rápidos do milionésimo de segundo.
E sabe que ainda ontem rabisquei umas palavras sobre o porquê escrevo? Mas só 3 linhas de um pensar galopante que me fluiu, não consigo mais.
Mais, como o que tão bem escreveu aqui.
Escrever tem dessas coisas... o interessante é quando nos controla a nós e as palavras se escrevem por si só! :)
Rebeldes pensamentos estes sempre sem hora marcada nem tempo de espera. Descobri nas minhas mãos que posso também caçar alguns deles e escrevinha-los. Um amador perdido entre baças imagens, apontamentos esquecidos e camadas de pó a descolar desta velha cabeça. Descobri que o blogue permite-me tirar tudo isso da gaveta.
Si,
Ora aqui está um excelente motivo para escrever e continuar a fazê-lo!... Lol
Tretices em forma de pensamento escorreito para Si.
http://tretas-da-vida.blogs.sapo.pt/
Escrever é deixar-se ir...
Beijos.
Gostei tanto da sua explicação... nem imagina como a compreendo bem!
E faz muito bem escrever, escreva ate que a ponta dos dedos lhe doa que eu gosto muito de a ler.
Beijinho.
Há muito pouco tempo escrevi um post que se chamava exactamente" Escrevo porque escrevo".
Não estava assim explicadinho porque nem todos os meus posts nascem de pensamentos.
Muitos nascem de sentimentos, emoções. Depois ficam a marinar, e de repente não dá mais para os manter cá dentro porque se transformam em pensamentos. E sussuram-me ao ouvido: então? quando nos pões no papel? E não descansam enquanto não o faço.
Mas seja pelo que for, escreva. Continue a escrever para termos o prazer de a ler.
Beijinhos de mim para Si
Quem escreve, porque escreve
como a Si aqui escreveu
brinca mesmo com as palavras
e que prazer isso lhe deu...
E eu que vim espreitar
o que este post contava
li, reli e gostei
saí daqui encantada!
http://simecqcultura.blogspot.com/
Fátima,
Que encanto de comentário me deixou!
Obrigada pelas suas visitas e volte sempre!
Beijinhos
Ó Si "eles andam aí"...
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