domingo, 11 de janeiro de 2009

ponto da situação # 13

Querido Diário,

Ontem, quando deitei a cabeça na almofada, os olhos pesavam e as pálpebras teimavam em cerrar as portas para a realidade, a pedido de um cérebro que reclamava descanso. Deixei-me ir naquela modorra e, a flutuar no limbo do dormitar, pairei sobre o meu próprio corpo, a subir e a distanciar-me, na direcção das janelas para o sonho.
Não me lembro bem se o ambiente estava a cores ou a preto e branco. Nem mesmo se estava pintado com meias tintas. Só me lembro, claramente, dos contornos que se foram definindo à minha frente, contornos a 3 dimensões, num plano bidimensional, tal como aqueles bonecos que ganham vida pelas mais avançadas técnicas do cinema de animação.
Sonhei que a A. ainda era pequenina. Revi-lhe as faces coradas e as covinhas nas bochechas, as pernocas rechonchudas, o sorriso maroto a mostrar uns dentinhos de leite tão perfeitos e os caracóis rebeldes caídos em cima da testa alta e fontes definidas, algumas das marcas deixadas pelo carimbo das características genéticas da família do meu pai.
Reconheci-lhe gestos que já tinha esquecido, o timbre da sua voz de criança que amaciava os 'ésses' e os 'érres', as canções que ela cantava e as histórias que contávamos a meias, como aquela de 'O porquinho foi à horta e comeu uma bolota', que terminava com o 'é bem feita porque o cão tinha a mania de ser 'pestalhão' ou o 'Capuchinho..... Mermeeilho, que andava sempre a fugir, a fugir, a fugir do Lobo....Maauuu.'
Senti saudades da minha 'Pipoca', como o Padrinho lhe chama, com aquele tamanho que dava para fazer malabarismos arriscados nos braços do Pai, ou mais pequena ainda, quando, inquieta, se estendia a todo o comprido do seu peito e acalmava logo, embalada pelo bater calmo da sua pulsação.
Acordei com o coração apertado.
Este é o ano em que ela irá ganhar asas e voar, sempre com o ninho à vista, mas, ainda assim, fora dele.
Este é o ano em que atingirá a maioridade, tirará a carta de condução e se candidatará à Faculdade.
Este é o ano em que ela vai começar a deixar de ser só nossa e passará a ser deles, também; dos outros cidadãos do Mundo, que com ela se encontrarão, deixando marcas na vida uns dos outros, mesmo que por um breve encontrão.
Sabes, Querido Diário?
Mesmo sem o ter percorrido, já sei porque é que este vai ser mais um dos inesquecíveis anos da minha vida.

Até Domingo, Querido Diário.

Beijinhos,

Si

14 comentários:

Filoxera disse...

Não estará um pouco enganada? Eles começam cedo a deixar de ser nossos, acho eu. Quando os deixamos no berçário, quando mudam de escola, o início de muitas adaptações ao mundo que os rodeia...
Beijinhos.

BlueVelvet disse...

Sei bem o que é essa sensação.
Esse sair de nós mesmas e ficar a pairar observando. E lembrando. E temendo.
Filhos . . . Filhos?

Melhor não tê-los!

Mas se não os temos

Como sabê-lo?
Já dizia Vinícius...
Andamos sintonizadas. Verá no post que vai sair hoje à noite:)
Beijinhos e BOM NOVO ANO. Vai ser inesquecível, sim.

Azul Diamante azul disse...

SI disse...
O ser humano é um animal e, por isso, imprevisível. E quanto mais pensa, mais perigoso se torna....

Obrigada pela visita ao meu blog.
Volte sempre que quiser

9 de Janeiro de 2009 7:06


Olá Si
Quem seria Steve Jobs se não pensasse?

E o Professor Agostinho Baptista da Silva seria ele um homem perigoso? Afinal era um grande Pensador...

Tudo de Bom

Azoth

Fatima disse...

Si para mim tudo isto aconteceu o ano passado.
Os 18 anos, a carta, a faculdade fora de Lisboa...
As nossas pipocas ganham mesmo asas e voam, e nós ficamos de orelha caída a cuidar do nosso ninho, que é
o deles.
Felicidades para vocês. O importante apesar de tudo e poder fazer tudo isto e voar. Sobretudo voar!
http://simecqcultura.blogspot.com/

Si disse...

Azoth,
As palavras que transcreveu só têm sentido correcto se inseridas no contexto.
Refiro-me às questões que levanta no seu post, como é evidente.
Quanto mais pensa, mais estratégias de destruição o homem inventa para si mesmo, susentado pela relação que o dinheiro e o poder tem com a bestialização dos seus instintos. Steve Jobs e Agostinho Pereira da Silva são, realmente pensadores, 'imprevisívelmente' utilizaram a sua boa essência para causas válidas e por isso mesmo se tornaram seres humanos especiais.

Anónimo disse...

É a inexorável Lei da Vida, Afilhada. Se assim não fosse, não estaríamos aqui, independentes, a escrever o que nos vai na real gana.
Ainda hoje recordo o ar de tristeza do meu Pai quando, aos 17 anos saí de casa para vir para Lisboa e, três anos depois parti para Inglaterra, numa viagem de décadas pelo mundo. Sei que se ele estivesse vivo se orgulharia de mim e isso é o mais importante!
Gostei muto deste post
Conchinhas

Miepeee disse...

Com sabe ainda me faltam alguns anos ate que a Bia voe mais alto sem a minha ajuda, no entanto quando estava a ler este texto maravilhoso, revivi os meus 18 anos, com tudo o que a SI descreveu, a carta de conducao, a universidade mas sempre com a porta de casa aberta e so sai de la quando a minha mae morreu.
Estou certa que a A. vai fazer o mesmo, porque esta relacionado com a educacao que teve e tem, com os valores que lhe foram passados e isso fica para toda a vida.
Um beijinho e obrigada por este momento.

salvoconduto disse...

É inevitável soltar-lhes as amarras e ainda bem. Que voem livres e se lembrem de onde partiram.

Anónimo disse...

Si, os filhos começam a sair das asas dos pais mais cedo.
De uma coisa é certe, dependem mais dos pais, porque a vida de hoje case, e tenham filhos depois de acabarm os cursos e arranjarem emprego.
Vivem mais tempo em casa dos pais, mas começam na a adolescência a terem a sua própria vida.
Há excepções, e provavelmente a sua é uma delas.
Mas o seu sonho é bonito.
Beijinho
cantinhodacasa

Si disse...

Sol no cantinho da casa,
Confesso-me mãe galinha, exagerada, controladora e de pulso firme.
Mas o meu pior defeito, também é o dela (tão igualzinha a mim que saiu...): mimo. Não conseguimos passar uma sem a outra, nem sem o pai, como se alguém tivese deixado cair entre nós uns pingos daquela cola rápida, que faz efeito em segundos...E o meu problema vai ser esse...: ) ; )

Gi disse...

Eu já levo um ano e meio de experiência; o mais novo também atingirá a maioridade este ano;
Custa-me mais, vou ser sincera, deixar este meu passarinho voar do que me custou com o mais velho.

Patti disse...

Ai Si, essa angústia do tempo...
Mas ainda bem que consegue saber que estes tempos futuros vão ser inesquecíveis.
É difícil ver os filhos partir, para mais uma filha única, mas diz-se que é essa a noss maior prova de amor.
Mas quando se investe da forma que a Si o faz, tem-se lucros altíssimos e frutos doces maduros de cores ainda por inventar.

Como eu a compreendo.

(Com a mudança de ano e quase um ano de blog, resolvi fazer gazeta de post e comments ao fim-de-semana, mas não quis deixar de lhe deixar uma palavra neste post tão sentido e importante para si).

1/4 de Fada disse...

Temos filhos da mesma idade, Si. Também os meus fazem 18 anos em 2009 e os meus pensamentos hoje são idênticos aos seus... parcialmente. Parece impossível como dois irmãos gémeos podem ser diametralmete opostos e nós mães podemos encontrar no nosso coração formas tão diferentes de amar os nossos filhos...
Sei que este será um ano de clivagem na nossa vida, para o bem ou para o mal. E sinto imensas saudades dos tempos em que os meus filhos eram pequenos, porque esse sentimento de que deixaram de "ser meus" e partiram para a vida, comecei a conhecê-lo há mais tempo, mas nunca com a crueza com que o sinto agora...
E também eu tenho o coração bem apertado...

paulofski disse...

Do ninho nascem, no ninho vivem, crescem, se alimentam e observam, aprendem a voar e como nós que também o fomos deveremos ensinar que podem voar, que podem ser livres e capazes de viver e saber como voltar.

Beijo