Dividia-se entre a mãe e a tia, separadas pelo salve-se quem puder da dança das cadeiras na sala de espera de um consultório.
Ora com uma, ora com outra, desmanchava-se em conversas em surdina e mimos refinados. A uma, arranjava o cachecol e aproveitava para fazer umas festas e dar uns beijinhos subtis no pescoço que o adereço ia deixando à mostra, no meio de um sorrisinho malandro e embevecido. À outra, punha-lhe o braço sobre o ombro, aconchegava-se a ela e brincava-lhe com o cabelo curto. Apesar de discreta, tão inusitada era a cena, que o velho, sentado em frente, olhava desconfiado e batia ameaçadoramente com as canadianas no chão. 'Ora não querem lá ver? O moço ou é maricas ou menino da mamã' - dardejava ele com o olhar.
'Sr. António Correia? É a sua vez' - chama a enfermeira.
Com dificuldade, ergueu-se nas muletas para percorrer a sala e, de imediato, o rapaz levantou-se e ofereceu-lhe a força da sua juventude para o apoiar.
As setas saídas do olhar do Sr. António caíram pelo caminho, à medida que se tornava mais fácil a marcha, e a boca sem um único dente, abria-se num esgar alegre, já convencido da gentileza. Desapareceu pela porta da sala do médico e já não viu o rapaz a passar o resto do tempo de espera a ajudar uma outra senhora com o funcionamento do telemóvel, para o envio de mms's natalícios. Escreveu todas as mensagens que ela lhe pediu e ainda as enriqueceu com imagens do seu próprio aparelho, enviadas por bluetooth, descansando-a que tal manobra não o faria gastar dinheiro, coisa que, julgo eu, iria, definitivamente, pôr em dúvida a credibilidade da sua boa vontade, já que ninguém está habituado a tanta simpatia duma vez só.
De facto, a minha alma estava parva. Aparentava cerca de vinte anos e estava vestido como um jovem absolutamente normal, de blusão com carapuço, sweat, calças de ganga e sapatilhas "All Stars" e o cabelo, curto e ondulado, acamado com gel. Procurei-lhe outros sinais de 'esquisitice', como aquela que o pensamento maldoso do Sr. António teria aviltado, mas nada. Entre uma mensagem e outra, atirava disfarçadamente um olhar interessado num bom par de pernas em collants opacos, que uma mini-saia roxa e laranja lhe tinha posto à frente, corroborando a sua tendência para a 'normalidade'. Ainda tentei apurar os ouvidos para ver se, daquelas conversas em voz baixa, saíam alguns impropérios contra a mãe ou a tia, ou mesmo uns grunhidos, uma pitada de sons guturais, quem sabe até um ou outro 'não' rosnado, mas sem sucesso. Quase que vingava a minha descrença, quando ouvi um 'eu vou' mais sonoro e firme que saía daquela boca, mas afinal, foi só mesmo para reforçar o seu cavalheirismo em ir buscar um café, já açucarado e mexido, para uma das suas donzelas.
Quando vim embora, senti-me desiludida e defraudada. Tanto esforço para arranjar um tema para um post, daqueles que surgem naturalmente em salas de espera de consultório, e logo me havia de aparecer um jovem educadíssimo, que não me deu mote para construir uma história. Não tenho sorte nenhuma.
19 comentários:
E eu a julgar que era borboleta...
Quem foi que ontem falou em borboletas? A Velvet? Vou lá ver.
Deu-te um post lindo, exemplo de como os nossos jovens estão cada vez melhores, mais solidários, mais atentos ao Mundo. Estas atitudes são daquelas que me fazem nascer água nos olhos.
Beijos, Si.
São raroa mas encontram-se.Por isso é que à primeira nos poarecem "esquisitos", o que devia ser normalissimo.A educação vem da mama e ele pelos vistos teve essa sorte.
Po
vilaforte
Si,
Se a situação te tivesse dado o mote para um post, teria de ser editado em 3 (três) dias!.. LOOOOL
Está um espanto. Parabéns.
Contrariando a Vekiki, as minhas desculpas para ela, acho que esse rapaz é cada vez mais uma excepção à regra.
Em minha opinião, a nossa juventude está cada vez mais afastada de determinados valores, nomeadamente os da solidariedade, particularmente para com os mais velhos.
Por isso, este rapaz é, para mim, uma excepção.
Mas ainda bem que ele existe. Pelo menos para alguém.
Tretices solidárias para Si.
Ainda há Boa Educação, por vezes até em demasia e como nós Portugueses somos uma má lingua, lá estava o Vèlhinho já a põr coisas esquisitas no Rapazinho.
Quanto á tua falta de sorte para o tema, então ainda querias melhor?
Imagino o que terias escrito se te sentisses inspirada! :D
Beijoca!
Sabe perfeitamente do achado que foi esse adolescente, que não rosna mas fala, que não abanca mas auxilia, que não exige mas agradece, que não se arrasta mas anda na vertical!
Sorte a deles.
Patti,
Claro que sei, tantos já foram os posts que escrevi e que li sobre este assunto, por isso é que ironizei,comparando-o com aqueles que já nos apareceram à frente ; )
É verdade e boa maneira de começar o ano. Com visões positivas pelo menos.
Se a Si não se quedasse para os lados do Porto, diria que tinha dado de caras com os meus filhos. Ahahahaha.
Gi,
Realmente! Mas pronto, com aquele e com os seus, já se contam 3...! Não é mau, não é mau...
rsrsr
Uma raridade! Conheço alguns jovens assim, mas só o são para com as pessoas da família ou de quem gostam muito, raramente para desconhecidos. Deixam passar os mais velhos à frente, seguram a porta, mas ao ponto de se oferecerem para mandar mensagens... como disse, um achado. E ainda diz que não teve sorte? Belíssimo post!
E não é que deu mesmo um belo post,eu gosto bem mais de escrever sobre coisas boas e bonitas que por vezes escasseiam em nosso redor :)
eu diria, que belo genro ele daria pra mim :)
Beijinho
Mas ainda existem jovens assim? Eu acho que a Si teve foi sorte!
Obrigada pelos conselhos que deixou no meu estamine, ja tivemos uma conversa e parece que vamos ter acordo :)
Beijinho.
Olá.
Quando comecei a ler este post, tive a sensação que seria uma história, fruto da imaginação.
Mas á medida que o lia, ficava sensibilizada as palavras aqui muito bem escritas.
Por vezes vejo nos jovens a agressividade, a falta de civismo e de solidariedade.
Quando observo algo semelhante ao aqui escrito, os meus olhos enchem-se de lágrimas, e o minha boca exprime um sorriso de gratidão, e o meu pensamento diz-me "ainda há jovens educados, sensíveis, inteligentes"
Mais sensível fico quando ouço falar em jovens, muitos jovens que vão para África fazer Voluntariado.
Isso arrepia-me, e faz-me acreditar neles.
Obrigado por este texto.
beijinho
A afilhada anda muito exigente. Então queria melhor assunto do que este para um post?
Tenho que fazer coro com os que aqui disseram que vão sendo raros exemplos destes, e já agora acrescentar que pode juntar ao grupinho de três mais dois: os meus filhos. Só não sei se mandariam as mensagens, mas se lhes pedissem mandavam.
A verdade é que são casos tão raros que as pessoas estranham e muito.
Em todo o caso adorei.
Beijinhos de mim para Si
Sol,
Bem vinda a este espaço.
Volte quando quiser.
Velvet,
Já está quase a fazer-me reaver a fé na nossa juventude...é pá, sendo assim já são cinco!!
Ora isso a dividir por 10 milhões, dá.......
Pois, façam vocês as contas, ok?
rsrsrr
Pois não, não escreveu post nenhum; eu é que estou louca...
Beijos.
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