quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

antes do Tempo ser Tempo # 1


Na Terra do Fogo, antes do Tempo ser Tempo e de existirem Fadas e Gnomos, corria um ribeiro de âmbar, num leito em forma de berço, que lhe deu cama até ser rio por inteiro. Cresceu pela dádiva diária dos doces pinheiros chorosos e das suas lágrimas resinosas, caídas, gota após gota, no caudal, engrossando-o e refirmando-o em espessura de caramelo líquido.
Um dia, caído lá dos céus, um limbo de plátano, vincado pela nervura no meio, deixou-se soprar e voltear ao sabor do vento, para vir a baloiçar, lentamente, por ali abaixo em direcção ao rio. Ao que me foi dado a conhecer, parece que quis deixar para trás a árvore mãe e viver uma vida muito sua, tanto o seu instinto lhe dizia que estava destinado a tarefas importantes.
Mal se afundou um pouco, o líquido invadiu-lhe as entranhas, quebrando o ponto de açúcar nas suas pontas recortadas, deixando-as firmes e flexíveis para flutuar à tona, ao sabor dos caprichos hiperglicémicos da corrente que o conduzia. Brilhante, no seu novo verniz, depressa atraiu atenções curiosas e desejos lúbricos de uma libelinha dengosa que por ali passava, cujas paixões fulminantes a atraíam irresistivelmente para abismos tresloucados. Em voo picado, quis unir a sua vida à do limbo, colando-se para sempre aos seus braços adocicados, num suicídio desmaiado e incontido de donzela espartilhada, e logo o âmbar lhe fez a vontade, cobrindo-a com o seu manto.
De onda em onda, e de encontro em encontro com as paredes do leito, o testemunho daquele casamento impulsivo foi sendo arredondado, até formar uma esfera perfeita, que acabou por vir dar ao estuário do rio do Fogo, onde se reuniam as Feiticeiras em Concílio.
Uma delas, pegou-lhe e viu-a à transparência do sol. Colocou-a no cimo de um ceptro e conjugando as forças de Vénus, que lhe deu a beleza, as da Lua, que lhe deu a Luz e as de Atena, que lhe deu a sabedoria e poder, transformou-se em Raínha, das Fadas a primeira.





11 comentários:

salvoconduto disse...

Vai por aqui muita inspiração! O mesmo sucede no "ares", que não consigo comentar.

ANTONIO SARAMAGO disse...

Tu estás muito bem aqui a dar-me todo o Encanto de uma Escrita sempre empolgante, mas não farás falta noutro lado?
Não quererás fazer de ti uma BIBLIOTECÁRIA? UMA ROMANCISTA? UMA POETISA?

Gi disse...

Razão tenho eu ... que fui aprender a escrever.

Tenho a certeza que vou adorar esta rúbrica, aliás como gosto de tudo escrito por SI.

Patti disse...

Ora vejam só, que coisa mais acertada! A Rainha das Fadas, uma libelinha caramelizada! Eu sempre disse que nós é que complicamos sempre tudo e a natureza é bem mais simples.

Muito delicada e lindíssima história Si, muito ao meu género de colocar os elementos da natureza com um pensar e viver muito próprios.

Anónimo disse...

Por aqui e pelos Ares andam a enfeitiçar-nos. Será do frio, ou da crise que nos obriga cada vez mais a sonhar e desejar o regresso à infância?
Excelente história Si!
Venham mais...

Si disse...

Patti,
Vou-lhe contar um segredo: Têm sido as leituras que por aqui faço que têm puxado por mim e pelos sentidos das palavras, palavras que já não usava há muito tempo e que estavam adormecidas no meu cérebro.
Algumas estão a soltar-se e a perder o medo de encher os espaços vazios.
A inspiração também vem do que me rodeia, como a magia de certos textos com ares de graça ou vizinhas mágicas que dão pelo nome de seres fantásticos, como as Fadas...
Obrigada pelo comentário, madrinha...: )

P.S. Já tenho na minha cabeça e alguns até agendados, outros textos, que vão dar continuidade a este tipo de inspirações. Espero que todos gostem......

Ka disse...

Belíssima esta sua história Si!!

E por momentos saí da correria diária para o seu mundo de fadas :)

Beijinho

paulofski disse...

Encurtei o meu horário de almoço para me deliciar aqui, o que vale sempre a pena, ainda me estou a lambuzar com o teu texto!

BlueVelvet disse...

Si,
como disse há um tempo atrás num comentário que li seu: a fasquia está a ficar muito alta.
O que é bom, pois como diz, é ao ler textos destes que a minha mente se obriga a ir a par com a minha imaginação e tentar escrever alguma coisa de jeito.
Com 6, 7 anos interrogava-me sobre a origem das Fadas dos contos de criança que me contavam. Nunca ninguém me conseguiu dar uma explicação que encaixasse no meu imaginário.
Tantos anos passados ela aqui está: uma libelinha que se toma de amores por uma folha de plátano que corre num rio de caramelo.
Uma imaginação fértil e um texto maravilhoso que nos deixa lambuzadas de beleza.
E sorrisos.
Beijinhos de mim para Si

1/4 de Fada disse...

Oh Si, mas que história maravilhosa, transportou-me às lendas da mitologia grega, que era das coisas de que eu mais gostava em criança... estou nas nuvens, a imaginar imagens e mais imagens, cheia de pena de não ter absolutamente talento para pintar! E diz que há mais na forja?

Filoxera disse...

Que inspiração! Podia escrever enredos de desenhos animados, histórias juvenis...
Beijos.