quarta-feira, 18 de março de 2009

vaidades


As duas mãos enrugadas, de unhas ovais, recauchutadas em duas demãos de vaidade, falavam de coisas reais, entre dedos que já esqueciam a idade.

O Mindinho, que sempre fora invejoso do Anelar, escutava, mas fingia não escutar, um eterno choradinho, por este carregar o ouro amarelo, branco e platinado, que a viuvez lhe impusera usar em duplicado, numa herança quase tão pesada como a artrite avançada, de que o garboso Médio se queixava, nos dias de nevoeiro. O Indicador, em riste, enumerava uma vez mais, tão triste, as maleitas que lhe ficaram, depois que um dia o filaram, com uma serra de corte em contramão, que lhe tinha encurtado um tendão, obrigando-o a entortar para a direita, mesmo quando o feito que queria era apontar a direito, e o seu vizinho Polegar, honorável idoso, que adorava ouvir falar, escutava-o sempre ansioso, pelas histórias no seu canto, já que toda e qualquer uma, esquecia no entretanto.

Foi quando, um dia, exibindo o seu tique, o vaidoso Mindinho, que sempre se punha esticadinho, para fugir ao peso de pegar numa chávena de chá a fumegar, lhe deu um chilique, vindo, sem forças a desmaiar, e caindo, vejam só, para debaixo dos anéis do Anelar. Assustados, todos os outros e os gémeos da outra mão, acudiram, para o sacudir e acordar com um safanão. Lívido que ele estava realmente, e com ar aflito, por se sentir fraco e dormente, a pouco e pouco, recomeçou a corar, embora só tenha conseguido articular, que já há muito sentia as articulações doridas e que a falangeta lhe sucumbira numa cãimbra traída. Ralados com o que ouviram relatar, todos os outros se dispuseram a ajudar o invejoso do Mindinho, convencendo, com jeitinho, o gémeo garboso do Médio, que do alto do seu pedestal de tédio, e da sua artrite em ascenção, subverteu a inflamação, da falange e da falanginha, com muito Ozonol, em boa e grossa camadinha.

Depois do efeito surtido, o Mindinho invejoso, não deixou de ser invejoso, mas obrigou-se a ser comedido, sendo que em vez de se pôr esticadinho, quando era preciso erguer uma chávena no ar, se começou a meter por debaixo do Anelar, aprendendo a partilhar o que tudo viria a pesar.


Reflectindo atentamente
na muito simples moral
que é por demais evidente
neste relato trivial,
se conclui que o Mindinho,
indivíduo reles e mesquinho,
acabou por deixar mal
uma Senhora muito chique,
cuja postura normal
nas tardes do Magestic
era de usar bem esticado
um Mindinho retesado
sempre que à boca levava
uma chávena bem aviada
dum certo chá traçado
com verde branco regado...

21 comentários:

salvoconduto disse...

Quando li que o Mindinho lhe tinha dado o chilique disse logo para os meus botões: prontos, lá está ele a armar, já se meteu onde não devia...

E não é que eu tinha razão! Mais abaixo lá vem a clarificação: meteu-se no branco.

E bem que podia fazer essas cenas ali ao lado nas tasquinhas da rua da Madeira, mas não, a armar ao fino, tinha que ser mesmo no Magestic.

Miepeee disse...

Coitadinho do mindinho ele so queria esticar as articulacoes e antes com uma chavena de cha, do que a cocar orelhas .....bleeeck
Beijinho daqui ate ai

Nina disse...

Que bonitinho esse texto, rsrsrs
Que bontinho, imaginando o mindinho :)

Gi disse...

Olhe que não são vaidades, Si;
Vou-lhe explicar porquê: o meu filho mais velho adora chá desde bébé; logo da primeira vez que foi ele a agarrar no biberão, esticou logo o dedo mindinho a beber chá; só com o chá ele fez isso; depois continuou com o copo e depois com a chávena.
É de berço: Ahahahah. :D

pedro oliveira disse...

Era um mindinho jetset.

Pitanga Doce disse...

Ainda gostava de ver a Rainha da Inglaterra a tomar chá. Será que ela também estica o mindinho? Isto é quase automático. hehe

De dentro pra fora disse...

Belo texto(Como é costume), mas agora...chá traçado com verde branco! quem se lembraria de tal coisa??

Beijinhos

Devaneante disse...

Há por ai muito mindinho a precisar de umas cãibras...

Patti disse...

Pequenino, pequenino mas cheio de personalidade.
Delicioso Si.

pedro oliveira disse...

acho que o tema que hoje trato do dia do Pai tem muito que ver com as tuas preocupações.
bjs

Anónimo disse...

Fez-me lembrar a história de umas senhoras que à tarde iam jogar cartas para o Ateneu.À hora do chá, lá vinha a aperaltada baixela, de onde broava, entre as mesuras do empregado o precioso líquido. Um dia, uns cavalheiros curiosos que também por lá costumavam parar, perceberam que o chá nunca vinha fumegante. Um , mais atrevido, insnuou-se junto do grupo de senhoras e pediu se podia servir-se de um pouco de chá, alegando estar a ficar constipado.
E assim se descobriu que as senhoras afinal bebiam whiskey...

Si disse...

Carlos,
E em que é que acha que esta história é baseada?
Ouvi contar muitos desses episódios passados no Ateneu, no Magestic e no Ceuta, já que pelos vistos era prática corrente das Senhoras da Alta Roda Portuense...

paulofski disse...

Agora que a minha mãe lê blogues vou referênciar-lhe este para Si, ai vou, vou!

Luis Eme disse...

pelo menos já temos um ponto comum, o gostar de escrever, Si...

Si disse...

Luís,
Bem vindo.
E esse é certamente aquele que nos leva a navegar nesta rede global.
Obrigada pela visita.
Volte sempre.

Filoxera disse...

Bela história!
Originalidade nunca lhe flta.
Parabéns!

Luísa A. disse...

O mindinho é, sem dúvida, o nosso dedo anarquista e preguiçoso. Este seu «post», Si – tão giro e imaginativo, quanto, pelos vistos, realista no que toca ao conteúdo de certos bules em certas altas rodas… – lembrou-me de que, quando era pequena, também tinha uma grande dificuldade em dominá-lo; e que todo ele se eriçava, sempre que eu pegava numa chávena. Mas havia um amigo do meu pai que imediatamente levantava as mãos, como se o dedo espetado fosse uma pistola que lhe estava a ser apontada. E tanto assim troçou e voltou a troçar, que acabou por me impor um acordo com o meu mindinho. Hoje, este recolhe-se sempre, dignamente, sob o anelar, denotando um louvável «sentido de Estado». ;-D

Si disse...

Luísa,
Obrigada por ter aceite o convite que lhe deixei no 'Nocturno'.
É um prazer recebê-la na minha casa, e espero vê-la por aqui mais vezes, quem sabe até para nos deixar a sugestão de um repasto suculento em dias de fim de semana...

Brunorix disse...

As minhas desculpas pelos parcos comentários, mas do pouco tempo escrevo mais do que leio. Mas é pena, porque na qualidade de leituras como esta está o ganho da escrita seguinte.

Si disse...

Bruno,
Também é um prazer vê-lo por aqui, com ou sem comentários, desde que se sinta bem.
Quanto à qualidade das leituras, já foram alguns 'Bilhetes' que me deram 'Ida' para outras tantas escritas....

Brunorix disse...

E para que conste da certeza, já também consta na "galeria".

Folgo em saber das saudáveis partilhas.