terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

metamorfose


Ondulou o corpo numa contradança instintiva, ajudada pelo vento Norte que a embalou com o seu sibilar durante o aconchego dos meses de retiro. Tocada pelos primeiros raios de sol, era tempo de despir as vestes rígidas de milhares de fios primorosamente entretecidos que a tinham protegido até àquele momento. Num tempo que já lá ia, tinha dado os seus primeiros passos junto às folhas mortas das amoreiras, no meio de sementes regurgitadas por frutos em dissolução, tocando as asperezas das cascas dos pinheiros e perfumando-se com a sua resina. Uma infância pacata e simples, vivida entre o calor que a fazia espraiar-se ao comprido e o frio e a chuva que a deixavam imóvel por debaixo de algum arbusto, no descanso de uma noite bem dormida ou no sobressalto da vigilância e fuga. Sem ter conhecido pai nem mãe que lhe ensinassem o que fazer, soube exactamente como agir quando o seu corpo lhe pediu mais, lhe pediu para assentar e aprender a ser adulta, lhe disse que teria que bordar o seu próprio vestido, da cabeça aos pés, com finíssimas linhas pacientemente cruzadas e recruzadas, a ponto cheio, lhe segredou, por fim, que teria de adormecer e que quando voltasse a acordar, já nada seria igual.
E assim foi.
Do solo que a vira nascer, da árvore que a deixara amadurecer, saía agora, vitoriosa, sacudindo orgulhosamente as asas que a fariam ganhar o céu, delicadas extensões de um corpo tão delgado e leve, feito para percorrer o arco-íris das flores com o seu beijo.
Espreguiçou-se e voou, levando consigo a eternidade efémera de ser Borboleta.

12 comentários:

pedro oliveira disse...

Quando era miúdo adorava os bicohos da sefa e tinha muitas folhas de aoreira para lhes dar.a natureza no seu melhor.

Gi disse...

E há Borboletas, que devem ter sido aconselhadas por um pássaro-pintor, tal o requinte das sedas com que se vestem.



PS.: A todos os que lêem a Patti, informo que ela se encontra bem, só a net adoeceu e gripou, a tonta!

BlueVelvet disse...

Onde se prova que nem todas as Metamorfoses são iguais.
Nunca consegui engolir a de Kafka e esta é uma beleza.
Primorosamente escrita.
Beijinhos de mim para Si

ANTONIO SARAMAGO disse...

Eu tambem adorava borboletinhas...
Como elas são tão meiguinhas e frageisinhas!
Tens uma grande tendência para as borboletas porque já te manifestas-te mais que uma vez pelo seu encanto.

paulofski disse...

A metamorfose é necessária de quando em vez, quanto mais não seja para simplificar a vida.

Ai a tonta da net! Tau tau...

Anónimo disse...

Para desespero da minha mãe, eu e os meus irmãos adorávamos bichos da seda. Invocávamos, à vez, necessidade relacionada com o estudo, para os amnter naquelas caixas de cartão em doses generosas.

PS: Li a informação da Gi sobre a Patti. Baha-me Nossa Senhora, que vou ouvir das boas quando o ILVICO debelar a gripe da Net! Não é que eu pensava que a PresidentA tinha fugido com o saco azul e estava a passar umas belíssimas férias em Vanuatu?
Vou esconder-me no Rochedo

Si disse...

Velvet,
Nem me fale nesse livro!!
Vi o filme primeiro (a 1ª versão que fizeram de 'A Mosca', ainda a preto e branco, numa famigerada noite de férias grandes em que fiquei a ver TV até mais tarde) e fiquei completamente traumatizada, de tal forma que até a capa do livro, que o meu irmão andou a passear pela casa durante uns tempos, me fazia vómitos!!
Arggghhhh....do que me foi lembrar....acho que vou mudar o título a este post!!!

Si disse...

Ahahahah, Carlos!
A sua sorte é que a nossa PresidentA não deve conseguir ler os nossos posts e respectivos comentários, senão ia já corrido à vassourada!!
E onde é que isso fica?? É na Patagónia, aposto!!

1/4 de Fada disse...

Minha (Si)nhora, eu é que quando abro esta página já venho a pensar na história maravilhosa que me espera - ora de fadas, ora de ventos que se apaixonam por quem não devem, agora de borboletas, cada uma mais bela do que a outra!

P.S. - Como sou uma cusca, li o seu comentário sobre a 1ª Mosca! Eu e uma amiga de infância também o vimos na TV, por volta dos meus 15 anos, salvo erro, uma desgraça, foi noite de S. João em minha casa, não dormi eu nem a minha mãe, que eu era dada a pesadelos... Como sou uma moça ajuizada, nem pus os olhos em cima do remake, claro. Acabei por vê-lo por puro acaso, sem saber o que era, à conta da minha filha, há muito pouco tempo, e não é que fiqui na mesmíssima? O que faz a idade!
P.P.S. - Se alguém fizer reparos ao uso da palavra moça, por favor não publique o comentário.

Si disse...

Fada,
Se quiser ler, amanhã a magia das suas homónimas voltará, num último texto - pelo menos para já - de uma série que dediquei a estas personagens fantásticas.
E como é o 'the last, but not the least', até lhe juntei uns pózinhos de perlimpimpim, que, tenho cá para mim, irão ser particularmente do seu agrado......

Devaneante disse...

Excelente! Adorei este teu texto, o primeiro que escolhi ler neste sítio onde vim à descoberta. Acabei de perceber que não posso ir embora sem procurar descobrir mais...

Borboleta disse...

Só consegui voar hoje para estes lados!
Pois é Si, costumo ler os textos/posts da patti e muitas vezes fico sem palavras, o problema é que quando leio os seus textos acontece-me o mesmo!

Deixo-me envolver no que escreve, deixo que a minha mente voe por entre as linhas e palavras, mudando de direcção de forma livre e de maneira que melhor aprecio cada sentido e emoção de todo o seu conteúdo!

Adorei o texto, sem dúvida que sim!!

Gostava de puder escrever mais e tentar explicar melhor, mas depois de ler textos tão bons, até parece que as palavras não chegam a este lado para as conseguir colocar num comentário! ;o)

Muito obrigada e por favor, nunca deixe de escrever!!

Beijinhos