Sentou-se um bocado a descansar. Sentia-se ofegante e com os pulmões a arder. Ficou ali, sózinha e pensativa, um bom par de horas, tentanto recobrar o ritmo normal, mas estava exausta.
Sem que o tivesse pressentido, Création aproximou-se, devagar, intimidado pelo seu desmedido tamanho e contraditória fragilidade.
- Que tens tu? - perguntou ele a medo
- Falta-me o ar, falta-me o verde, falta-me o azul e falta-me o transparente das minhas águas.
- Perdeste-os, foi?
- Sim, quase todos. E os que restaram, estão tão revoltos dentro de mim, que me abrandam a marcha na minha volta de todos os dias.
- E lembras-te onde os deixaste? Queres que te ajude a procurar?
- Eu não me esqueci deles em lugar nenhum. Deixei foi que mos tirassem...
- Não importa, eu ajudo-te na mesma. Diz-me quem tos tirou, que eu vou lá para obrigá-lo a devolver o que era teu. Faz-te muita falta, não faz?
Embora fraca, conseguiu sorrir com a pureza e a inocência do raciocínio do seu interlocutor.
- Deixa, não vale a pena. Só vão dar valor ao que me tiraram quando perceberem a falta que lhes faz. Chama-se a isso aprender, arcar com as responsabilidades dos actos que se cometeram. Anda, faz-me companhia enquanto descanso. Diz-me lá como é que te chamas?
- Création, e tu?
- Chama-me o que quiseres: Mundo, Terra, Mãe, Filha Terceira do Sol, ou até podes inventar um de que gostes, é como tu preferires.
- Se és Mãe, posso ser teu filho?
- Podes - respondeu quase a rir.
- Está bem. Então vou-te chamar Mãe-Terra do meu Mundo. E não te preocupes. Agora que já inventei o teu nome, vou inventar uma forma de te proteger.
- Ai sim? E como? - perguntou-lhe, enquanto lhe afagava os caracóis fartos e loiros.
- É fácil. De cada vez que te tentarem tirar algum do teu ar, do teu verde, do teu azul ou da transparência das tuas águas, eu visto-me com os fatos do Vento Norte, ponho na cara a máscara, ora do fogo, ora da chuva, ora da tempestade, ora do sismo e desato a correr para eles. Vais ver como se assustam!
- Huuum.... és capaz de ter razão; se calhar tenho sido muito branda, mas tu? Tu és tão pequeno, não vais ter força para isso tudo...
- Vou sim. E não sou pequeno, eu já sou grande, cresci agora mesmo com o nome com que fiquei: Création Mãe-Terra do Meu Mundo Neto Terceiro do Sol Vento Norte Fogo Chuva Tempestade e Sismo. Com este nome, vou ser capaz de tudo, só preciso de agarrar a tua mão, como as Mães fazem com os Filhos e como os Filhos fazem com as Mães.
Ela deu-lhe a mão, comovida.
Levantaram-se e, juntos, inciaram mais uma caminhada à volta do Sol Pai Avô.
13 comentários:
O conto faz-me lembrar que um satélite destinado a analisar e medir as emissões de CO2 caiu juntamente com o foguetão que era suposto lançá-lo no espaço. Demorou nove anos a construir o que significa que mesmo por aí tudo parece estar contra a Mãe-Terra.
E o dia começa bem .
É engraçado que, nos últimos tempos, tenho dado por mim a pensar que, agora, finalmente, que o Homem tomou consiciência do mal que andava a fazer à Mãe-Terra e começou a tentar arrepiar caminhoe converter-se ao bem, a Mãe-Terra tem sido bem madrasta.
Gi,
O mal é que, se calhar, já se deu conta um pouco tarde.
Há coisas que não vão voltar atrás, simplesmente porque já não se conseguem recuperar. Foram extintas ou tiveram mutações e isso transtornou todo o equilíbrio natural.
Excelente texto e melhor ainda a mensagem. :)
Mais um maravilhoso texto para juntar aos que vou guardando como uma história para contar, um dia, aos meus netos.
Beijinhos de mim para Si
Chamam-lhe Gaia. Segundo a mitologia grega é a personificação da Terra como deusa. Gaia, a Terra-mãe, gere o planeta como uma entidade viva, um "superorganismo" capaz de se auto-regular com os mecanismos naturais que controlam o clima até a biodiversidade. Inventar uma forma de a proteger do Homem? Só os deuses, e mesmo esses...
Tens consciência que publicar conversas secretas pode meter-te numa carga de trabalhos, não tens?
Paulofski,
E eu que tanto gosto de mitologia, principalmente da grega, falhou-me essa!
Quanto ao 'superorganismo', é assim mesmo que vejo a Terra, seja verdade ou fantasia. Com mecanismos de defesa insuperáveis e formas de regeneração e adaptação intensivos, que, por agora, ainda vão resistindo aos ataques do Homem.
Há mais de 40 anos que o homem está avisado, mas assobia para o ar.Talvez seja tarde para arrepiar caminho...
Ia falar de Gaia, mas o paulo adiantou-se e muito bem.
O texto, claro, é magnífico.
Um dia destes dizemos: Agora e tarde, Ines e morta !
Beijinho.
Linda, a história. Pena não antever um final feliz...
Excelente texto (mais um!)
De facto somos uma verdadeira doença para este grande ser vivo à custa do qual vivemos, e que parasitamos. Mas todos os seres vivos se procuram defender das ameaças que os atormentam, e este está, precisamente, a defender-se dos parasitas que lhe sugam o sangue...
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