sábado, 3 de dezembro de 2011

mom, i'm coming home for christmas!


Night in Prague

...nem que seja uma vez por ano!...



P.S. E, já agora, Feliz Natal, vizinhança!

sábado, 1 de janeiro de 2011

dia mundial da paz


Nunca é demais tentar.
Com um pouco mais de esforço sincero este ano?

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

pontos fina(iS)


Tenho-me tricotado todos os dias dos meus anos. Os pontos que, de início, me eram imperfeitos e apressados, foram-se tornando mais firmes e decididos e as voltas, alucinantes, em torneados lentamente amadurecidos, mas a que não falta o vigor da certeza com que os faço ou desfaço. Porque há enganos que é preciso corrigir e não remendar.
E assim vou vivendo, fazendo os possíveis para que a meada não se embarace em nós intrincados, se esfie ou se parta, deixando correr o fio por entre os dedos, transformando-o numa peça única, uma história só minha.
Tricotando todo o novelo a que tenho direito.


E pronto.
Dois anos depois, termina esta aventura.
Despeço-me do Blogobairro com um sorriso estampado na cara 
e a certeza de ter tido uma sorte imensa com o gabarito 
de todos e cada um dos vizinhos que nela me acompanharam
e com quem fui construindo uma amizade virtual.

À Patti, Gi, CBO, Paulofski, Pitanga, 
Rita F, Luísa, Fugi, GJ, Annie, Justine,
Rosa e Kristal, um abraço um pouquinho
  mais apertado...

Até um dia, vizinhança!!!!  

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

(re)nascer



Morrera.
Partira, sem dizer adeus, de sorriso aberto nos lábios, confiante que entre o cerrar das pálpebras e o despertar, deslizando sobre o rubro tapete de acesso à eternidade, não demoraria mais do que um pestanejar.
Tal era a sua fé.
E caminhou, segura nos passos, na direcção, no sentido das coisas.
Aqui e ali, despojou-se dos pequenos fardos da existência, pendurando os abafos de mágoas, pousando as malas de recordações, aliviando-se do aperto de amarras, transparecendo-se.
Lavou-se, despida e desnuda de porquês e de razões, purificou-se, atravessando o crivo finíssimo da imperfeição.
Estava pronta.
Aninhou-se em posição fetal e guardou-se, aguardando um novo acordar, ali, onde a consciência guarda a alma.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

o bibliotecário de sonhos


Naquela casa imponente vivia um homem só.
Na tabuleta suspensa no portão do fim da cerca, dizia 'Proibida a Entrada'.
Mesmo assim, entrei.
Avancei pelo caminho calcetado de musgo, a afundar os pés. Por momentos fui raíz  trepadora da vereda acima, um passo e outro a querer pertencer ali; pela sedução, pelo mistério das coisas que não sabia.
Deixei pendente um suspiro ao chegar ao colosso de lenho vivo transformado em porta. Rangendo, cedeu-me a vontade de prosseguir na descoberta e ele nem deu por mim.
Estava sentado numa cadeira de fumo e movia-se, cadeira e tudo, com a destreza que só os Etéreos possuem: de um lado para o outro, acima, abaixo e mais além; carregado sem esforço, de volumes de caixas decoradas com símbolos secretos.
Deslocava-as com um girar do indicador, apontando em várias direcções da vasta sala, pequena afinal para a imensidade da função: ali se guardavam, metodicamente, todos os sonhos da raça humana; os de grandeza, os puros, os pecaminosos, infantis, coloridos, a preto e branco. Até os cor-de-rosa, os de voar e de cair, todos catalogados, seriados e identificados, prontos a usar; bastaria um girar de indicador.
Deslumbrei-me. 
Quis levar os melhores comigo, escolhê-los a dedo para sonhar bem toda a vida; quis povoar-me de noites evadidas de destinos já urdidos, sonhar alto e alcançar os nunca sonhados. 
Quando dei por mim, sonhava.
O bibliotecário de sonhos, catalogou-me, seriou-me, identificou-me e guardou-me numa caixa decorada com símbolos secretos.
Na tabuleta suspensa no portão do fim da cerca, dizia 'Proibida a Saída'.


Em fundo, 'Dreamcatcher' dos Secret Garden

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

não gosto de crepúsculos


Não gosto de crepúsculos.
Fascina-me o poético púrpura vespertino, quando me aquieto, observando o movimento astral, mas incomoda-me a indefinição das sombras, aquela nebulosa indecisão entre a claridade reveladora e a escuridão uniforme.
Não gosto de crepúsculos, nem mesmo dos cíclicos, que acinzentam olhares outrora vivaços e teimam em libertar fantasmas antigos, a coberto do lusco-fusco, insinuando-se como destinos fatais.
E não gosto de crepúsculos que se entranham na pele e no sangue e as caras se fecham em Invernos taciturnos.
E como não gosto de crepúsculos, reclamo o sol, a luz e o dia, ou as estrelas, o breu e a noite, escurecidos ou iluminados, esclarecidos, pelo menos, nas imagens que me dão ou não.
Por mim é simples. Eliminem-se.
Porque eu não gosto de crepúsculos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

acreditar


Batiam as onze da noite, quando os pés descalços de Leonor se sentiram no lajedo, pisando alternadamente os quadrados brancos e os pretos, mesmo no meio, sem calcar as juntas de união, tal como fazia quando jogava à macaca. Pisar os riscos, significava ficar de fora do jogo e ela queria jogar até ao fim, até onde nascia a parede que ostentava duas portas, lado a lado.
A mãe, sempre a avisara em relação àquelas duas portas. Que ocultavam grandes mistérios, que nunca se deveria delas aproximar sem supervisão de um adulto, e, sobretudo, nunca por nunca tentar abrir qualquer uma delas. Mas porquê, mamã? O que está do outro lado é mau? Não sei, filha, mas nunca ninguém de lá voltou, nem de uma nem de outra. Ó mamã, e se eu abrir a porta e não gostar do que lá vir, não a posso fechar outra vez? Não, querida, não podes. Quem as abre, entra, e pronto.
E pronto; quando a mãe dizia 'e pronto', Leonor acreditava.
Debaixo dos fartos caracóis, a cabeça fervia-lhe em congeminações. Aninhada no colo da mãe e vestida apenas com uma simples camisa de cambraia, encostou os ouvidos ao seu peito, deixando-se embalar pelas batidas compassadas. E, de um salto, pôs-se em pé e correu para as duas portas, sem se importar com os quadrados pretos e brancos. E disse 'um, dois, três!' e abriu-as exactamente ao mesmo tempo. E pelas duas foi engolida, sugada com a força de um vórtice, turbilhão doido e vertiginoso que só parou num trambolhão seco, frente a um velho de longas barbas brancas.
Quem és tu? perguntou. Sou o teu destino, respondeu-lhe. E que será de mim? tornou. Aquilo que tu quiseres. Sou cego, sabes? Tens que ser tu a conduzir-me. Para onde me levares, assim eu serei.
Abriu os olhos. A mãe afagava-lhe os caracóis e levantava-a do chão. Pronto, minha querida, já passou, foi só um pesadelo tonto que a febre causou. Eu fico aqui à tua beira e não deixo que caias da cama outra vez. Pronto.

A mãe tinha dito 'pronto' e Leonor acreditou.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

manel feijoeiro e a tragédia das leguminosas


Manel Feijoeiro, todos os dias se levantava de madrugada, para aconchegar nas sacas de chita, os seus preciosos feijões mágicos que levava para a banca da Praça.
Só ele lhes conhecia o dom especial que possuíam, em crescerem na mesa do pobre, para lhes reforçar o sustento, manterem-se iguais na do remediado, que os dividia irmãmente, e encolherem na mesa do rico, abafados que ficavam pela abundância de outros pratos.
Digamos que eram feijões com vontade própria, portanto.
Tanta, que era logo na venda que os papeis se invertiam: não era o freguês que escolhia os feijões, mas os feijões que escolhiam o freguês, saltando sozinhos para o cartucho de papel pardo que Manel segurava, enquanto olhavam intensamente, com o seu olhinho hipnótico, para os olhos das clientes, colocando-as num transe instantâneo, que logo passava, quando já todos tinham marchado lá para dentro.

Os mais sabidolas e reguilas eram os manteiga: de trato fino e dengoso, escolhiam sempre as donas de casa mais jovens, ansiosas por surpreender e agradar aos recém-maridos com os seus dotes culinários, macios e tenros que ficavam em qualquer receita; mais sérios e recatados, os fradinhos, davam-se bem com viúvas, beatas e solteiras eternas, de hálitos desleixados, dando-se, por isso, ao luxo de exigir a companhia da cebola crua, mal se sentiam cozidos; os rajados, ou catarinos, preferiam as criadas de servir, por razões óbvias de classe, logo eles, a quem Manel nunca conseguiu dominar aquela ânsia de poder entrar nas casas abastadas pela porta dos fundos; os brancos só iam para o cartucho das senhoras da alta roda, que os usavam na delicada confecção das sobremesas, transformados em glicémicos pastéis, e os vermelhos sentiam-se importantes era com as mulheres do povo, que lhes davam longos banhos, e eles, inchados, podiam olhar de soslaio para as gordas chouriças e as hortaliças tronchudas do quintal.

Ora, houve um dia, em que um feijão Vermelho se apaixonou por uma feijoca Branca, jeitosa que ela era, de curvinhas tão refeitas e olhinho tão oval. Destinada para a mesa dos ricos, como ela estava, logo o murmurinho se levantou, pois se há coisa de que os feijões não gostam é de misturas, e o Vermelho, exclamavam os brancos, haveria era de alinhar no cartucho da Senhora Quitas, uma velha cozinheira de mão cheia que trabalhava numa cantina.
Patati, patatá, rebéubéu, trálálá, a discussão estalou, e mesmo com a mediação dos fradinhos e os chiliques dos manteigas, o que é certo é que, brancos e vermelhos, chegaram a vias de facto, deixando a banca do Manel Feijoeiro na maior das confusões, e a ele, furioso da vida, por lhe estragarem a venda, que nem mais um saltou para o cartucho.
Chegado a casa, pôs tudo em pratos limpos e não mais consentiu insurgências, vontades próprias, nem tão pouco escolhas, a feijões mal educados e mal agradecidos, pelas muitas horas de bom trato que lhes dispensara. Desanimado, informou-os de que o negócio tinha ido por água abaixo, que ele abalaria para o Luxemburgo, logo que os papéis fossem tratados, e que todos os seus feijões seriam entregues ao Pingo Doce mais próximo.

Depois disso, Manel nunca mais foi o mesmo e a Praça também não.

Até porque, vários anos mais tarde, ainda muitos se recordariam de Vermelho e Branca, um par de feijões namorados, que, demolhados em lágrimas, pela paixão contrariada, tão deprimidos e inconsoláveis, viriam a precipitar-se, juntos, para o abismo do passe-vite mais próximo, protagonizando, assim, a mais profunda das tragédias leguminosas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

adeus, verão, até para o ano!

Matosinhos
Caminha
Samil, Galiza


Pic-nic 'tuga' - Samil, Galiza
Sanxenxo, Galiza
Espinho
Peniche
Foz do Douro
(Fotos minhas, Verão 2010)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

jardins proibidos



É que foi mesmo por causa de aquele querubim rechonchudo ter aterrado ali de mansinho, logo ao lado da janela, que acabei por dar, à parede do meu quintal, esta cor azul celeste, igual ao que será, certamente, o ambiente em redor da sua nuvem-natal.
E, no correr do pincel, estendi-me para a mesa e depois, claro está, para as cadeiras, ufanas que ficaram de ter um ferro forjado naquele tom, tão enjoadas que já estavam do verde musgo, a agradecerem-me muito ter-lhes aprumado a elegância das cornucópias recortadas.
De seguida, com um gesto largo, atirei ao ar uma mão cheia de sementes e outra de bolbos e raízes. Quis o acaso, que se juntasse, no mesmo canteiro, uma Margarida e um Delfim, entre quem nasceu um amor-perfeito, levando-os a unir as suas vidas num casamento de sonho; ele, muito direito e elegante, num fato completo de campânulas azuis, ela, vestida de longas pétalas brancas e brincos-de-princesa, herança da sua avó.
Pois foi o bastante para que, na Primavera seguinte, do negrume do seu farto útero, húmido de desejo para ser fecundado, nascessem Dálias e Rosas, Jasmins e Loendros, cuja vida e profusão de aromas e cores, não permito a mais ninguém desfrutar.
Tudo, porque hoje, este é o meu pequeno e secreto esconderijo de pensamentos etéreos e tranquilos, fluídos enquanto escuto o ralhar sereno dos mais velhos, a acalmar o ímpeto dos mais novos, teimosos em esticar hastes e ramos ainda tão tenros.

Dizem que é apenas o vento a restolhar as folhas, mas eu é que sei.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

marés



Foto minha, Foz do Douro, 2010

Foi o sabor da corrente que um dia me levara.
Temperou-se de novos paladares, mudou de rumo e amarrou segura no cais de onde afinal nunca saíra.
Porto sereno, aquele que me abriga, a ocultar de mim a sede de tempestades .

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

prenúncio do fim



A minha caminhada na blogosfera vai chegar ao fim.
Quase dois anos depois, deixarei desocupada a casa de um blogobairro de luxo, cativante e envolvente, do qual guardarei recordações fantásticas, impossíveis de apagar, registadas que estão nesta rede imensa.
Se deixo saudades?
Só vocês o dirão.
Anuncio a retirada, mas deixo uns últimos posts, textos que fui escrevendo e nunca publiquei, agendados até 12 de Outubro; em jeito de despedida, sabendo de antemão que, na vida, o que hoje é para sempre, amanhã pode mudar e os ciclos assim se renovam.

A todos, pelo que me fizeram rir, chorar e aprender, deixo um abraço de agradecimento.

domingo, 5 de setembro de 2010

vamos à Feira?

A Feira de Artesanato e Gastronomia de V. N. Famalicão, decorre até dia 12 de Setembro.
 
Passeando pelos vários stands, encontramos as Rendas de Bilros.....




....as vassouras de milho painço....


...os teares manuais...


...o ferro forjado....



...o mel puro, acabado de sair da colmeia...


...a bijuteria, com cristais Swarovski, feitos pela minha amiga Cristina....



...e no fim da caminhada, doces malandrecos para retemperar as forças!



E então? Vamos à Feira?


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

aproveitem até à última


Este fim de semana voltam as temperaturas elevadas.

Com Agosto a terminar, o Verão vai-se despedindo em grande.

Deixo a portão do jardim entreaberto.

Refresquem-se, salpiquem-se, molhem-se, chapinem-se, encharquem-se, vá!

Tem graça e é de graça. 

Aproveitem. Até à última gota. 

Em fundo, Owl City, Fireflies 

terça-feira, 24 de agosto de 2010

quando o fogo bate à porta






(Fotos minhas, Agosto 2010)

todas as ajudas são poucas.
Vieram de Leça do Balio, S. Mamede de Infesta, Vila Meã, Marco de Canavezes, Penafiel e o helicóptero do Comando de Lisboa. 

Incansáveis
Abnegados
Voluntários

E nem os interesses, a loucura ou a pura maldade os faz arredar pé.

Em fundo, Ritual Fire Dance - New Symphony Orchestra of London

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

conversas secretas


Olha lá, ó Vento!
Que tens tu contra mim?
Porque m’ atiras teu lamento,
uivo gemido em frenesim?
Achas-te muito poderoso,
é, um colossal irascível,
só porque, mesmo furioso,
o teu rosto é invisível?
A isso chamo eu traição,
o não ver claramente,
quem nos ergue a mão,
num açoite permanente.
Levantas o chão em fúria,
tão rabugento e rugidor
pra logo vir com a lamúria
de que sopras por amor?
Não, não pode ser!
Apaixonado, meu amigo?
Eu vou lá poder crer,
que precisamente contigo
isso possa acontecer!!
Mas que paixão funesta
te dará a motivação
de vergar mato e floresta,
em tom de furacão?
Que telhas e telhados
te impedem de amar
se não são eles os culpados
nem te podem ajudar?
Ora diz-me lá, a ventar,
de quem tu gostas realmente,
mas diz-me devagar,
pra perceber exactamente…
Quem? Tu endoidaste?
Esse nome qu’inda agora
tu me segredaste,
saiu-te pela boca fora,
ou comigo brincaste?
Enamorado pela Lua,
que tão longe foi morar,
e tu, que loucura tua,
achas que lhe vais chegar?
Abranda, amigo Vento,
escusas de te esforçar,
volta a soprar lento,
que não a podes conquistar.
O Sol já a levou, cortês,
num cruzar de raios tal,
que uma filha logo lhe fez
chamada Aurora, a Boreal.
Se queres, então, desabafar
o desgosto de amor imenso
em vez de raiva soprar
eu apelo ao teu bom senso:
chora apenas chuva,
nesse teu lamentar,
e clareia a nuvem turva,
que tão bem te faz chorar!

(Post publicado em 02 de Fevereiro de 2009)

Em fundo, Maroon 5 - Secret 

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

patchwork


Nas linhas brancas dos alinhavos, revia as prioridades da sua vida. A espaços regulares e muito direitos, esboçava os passos que dava em cada dia, primeiro com o giz, à laia de ensaio, depois com a tesoura que lhe definia os limites, a seguir com a agulha, que lhe juntava provisoriamente avessos e enviuzados para ver se se entendiam, e, só no fim, com a máquina de pedal, que casava definitivamente as decisões do figurino em ligar fazendas, entretelas, fitas de nastro, forros de cetim e ombreiras.
Jacinto era, portanto, um homem pacato e ponderado, filho único do único alfaiate dos Pousos, aldeia onde nascera 56 anos antes. Do pai, herdara a profissão e a loja, da mãe, o feitio à medida de qualquer moça casadoira que se quisesse perder naqueles olhos castanhos avelã, iguais aos galões que pregava nos fatos de linho.
Mas os anos foram passando, e nenhuma quis coser a sua vida à dele, nem ele nunca se encantou com os modelos da terra, julgados e bem medidos pela bitola que tinha dentro da cabeça. Os pais desapareceram e ele ficou, sózinho, fielmente unido às costuras da clientela.
Por alturas do Outono, precisamente quando o caixeiro-viajante andava numa lufa-lufa, no leva e traz das novidades da estação, chegou-lhe aos ouvidos que iria chegar, em breve, a filha emigrada dos donos da retrosaria, que tinha abalado para França logo em menininha. Recordava-se, muito vagamente, de uma cachopa de tranças bem apertadas em dois grandes laçarotes de cetim rosado, chuleado à mão nas pontas, para não desfiar, e do rosto, só conservava a imagem de dois botões negros e grandes, forrados com pestanas espessas.
Foi, por isso, com surpresa, que numa quinta-feira à tarde, viu passar uma figura alta, dentro de um vestido de algodão lilás, primorosamente debruado a nastro de florinhas minúsculas, decote quadrado e manga três quartos. As pinças do corpete, perfeitamente alinhadas com o encaixe do peito generoso, sobressaíam elegância, e a saia rodada, em godés de guarda-chuva, tinha a baínha logo abaixo do joelho, para deixar à mostra a medida certa de umas pernas encamisadas numas meias de seda transparente e sapatos a condizer.
Quase em câmara lenta, desfilou defronte da sua loja, com um sorriso estampado na cara, em contraponto ao recorte liso de um par de lábios aveludados, estacou à porta e deixou sair um gritinho de alegria. Jacintô!!, exclamou, estás na mesma!! Não te lembrras de mim?? Sou a Suzete, crriatura, o que eu chorrei por toi, quando me fui, chérrri!!
Naquele momento, Jacinto sentiu-se como que picado por milhares de alfinetes, atordoado como se o ferro de engomar lhe tivesse caído em cima da cabeça! Como pudera esquecer? Como pudera não lembrar a carteira de escola atrás da dela, e o que ele apreciava o ponto cheio das letras 'S.M.' bordadas no seu bibe? Suzete Marrazes....há quanto tempo!!!
Rapidamente, ela pô-lo a par da sua vida, como modista de luxo das Madames em Paris, pondo em prática o que aprendera na Mestra que a acolheu à chegada de Portugal. Falou-lhe da riqueza dos tecidos, das cores que lhe traziam do estrangeiro, das linhas de seda, das máquinas de corte que inaugurara no novo atelier, de tudo, tudo e também das saudades que lhe ficaram no peito ao despedir-se dos Pousos. Voltava para ficar, queria assentar os vincos da sua existência.
Escusado será dizer, que não tardou muito a que Jacinto e Suzete juntassem os trapinhos e unissem as suas vidas, afinal, eram um para o outro como colchetes e nunca mais se desapertaram, caminhando lado a lado pelas pregas da vida em felicidade reforçada em cada ponto.

Perguntei-lhes como quereriam que terminasse de contar a sua história.

Foi-me dito que lhe desse um fecho de correr.


(Post publicado em 18 de Fevereiro de 2009)




Em fundo, Chris Norman - Needles and Pins

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

olhos nos olhos



olhos nos olhos, que tão bem conheço

cúmplices de histórias por inventar

sinceros e sérios como eu te peço

em mais do que um tempo do verbo amar




Em fundo,  Ben Harper  - In your eyes

segunda-feira, 26 de julho de 2010

onda do mar


foto minha, Peniche 2010

Tocas-me com os dedos
Brancos de espuma
Molhados de sal
Frios como a bruma
Esse afago arrepia-me
Sinto-me estremecer
E enrolada no teu abraço
Deixo-me adormecer


(Post publicado em 13 de Outubro de 2008)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

caída do céu

sou gota de orvalho
e este é meu fado,
cair desamparada
num fio delicado.
em fio delicado
cair sobre a folha,
não em chuva agreste,
nem que tolos molha,
mas apenas em gota
que do céu cai,
e o vento empurra
sabendo onde vai.
não molho a folha
para me poupar,
meu destino é outro
que vou encontrar.
em perfeita gota,
continuo a descer,
vou até ao caule
em lento escorrer,
para a boca que espera
a altura de me ter,
no seio da flor
a quem dou de beber


(Post publicado em 16 de Dezembro de 2008)


Em fundo, Train - Drops of Jupiter

segunda-feira, 12 de julho de 2010

contra-tempos



Na mais ordenada casa
surgem contratempos,
que tal como se indica,
atrasam o tempo dos tempos
que todos atribuímos
na gestão dos nossos momentos.
É deveras irritante,
esta mania de contradizer,
pondo de pernas para o ar
o que planeámos fazer.
Ora, se há horários,
se há horas a cumprir,
porque raio haverá também
um tempo de lhes fugir?
Sinceramente, não entendo
esta forma que o tempo tem
de, na vez de correr sereno,
correr como lhe convém.
Será qu'inda não percebeu
que n'altura em que desandou
passou o tempo a desfazer
o que o Tempo determinou
estar na altura de fazer?
Ai, Senhor Tempo,
meu rico Senhor Tempo,
diga lá o que fazemos
se inventa um contratempo?
Como vamos encontrar
um tempo definido
de forma a recuperar
aquele tempo já perdido?
Em boa verdade lhe digo,
a minha modesta posição
que neste ano que se inicia
tomo como resolução:
Não mais vou perder tempo
com tempo que não tenho,
e aproveitar cada momento
com o tempo que detenho.
É que só assim eu resolvo
esta luta contra o tempo,
aquele que teima em passar
mesmo contra o contratempo.


(Post publicado em 06 de Janeiro de 2009)

Em fundo, Time - Pink Floyd

sábado, 10 de julho de 2010

ementa de verão


A mesa está posta, a ementa preparada, só falta a companhia.
Escolham o lugar e sentem-se.
Já a partir de 2ª feira e durante as próximas semanas, convido-vos a recordar comigo alguns dos textos que fui publicando aqui.
Para apreciar com calma, esticando a preguiça das tardes de Verão.  



Em fundo, Leona Lewis - Summertime 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

(in)satisfações



Nas minhas recentes deambulações, percebi que, volta e meia, se queixam.
Ora porque está um frio glaciar, ora porque está um calor sahariano.
Ora porque chove demais, ora porque a seca não dá tréguas.
E têm abafos, guarda-chuvas, impermeáveis, aquecedores, ares condicionados, leques, tapa-ventos, pára-sois e pára outras maleitas, termóstatos reguladores, torneiras e finezas quejandas.

Pois eu pergunto: que diriam vocês se estivessem sempre ao relento, como as minhas minhocas, os meus bichinhos de conta, os bichos da seda, as borboletas, as libelinhas, as abelhas e as minhas muito queridas joaninhas lá do quintal?
Expliquem-se, vá, expliquem-se!


Em fundo, , 'Hot and Cold' de Kate Perry

quinta-feira, 1 de julho de 2010

dela o início, meu o final # 3


Era uma vez um conto que começava aqui, 


e continua assim:

Até à passada 4ª feira.
Aconchegada pela manta de crochet, há já um par de dias que Maria preferia o outro canto do jardim. Ali, o sol espraia-se até mais tarde e a nortada desvia-se no limoeiro.
Não desistira de indagar sobre o pianista, nem ele de tocar pela noite dentro, apenas se forçara a pensar que os mistérios e as fantasias lúgubres pertencem ao mundo dos livros, às páginas inteiras dos romances que lhe enchem as prateleiras e pesam sobre o colo.
Assim, dificultava a tentação de espreitar para lá do muro e embrenhava-se furiosamente nas linhas impressas dos tomos que escolhera para companhia.
Até à passada 4ª feira, logo pela alvorada.
Um ranger de dobradiças arrepiou-lhe a pele sob as rosetas de lã e o som de passos arrastados alvoroçou-lhe o coração.
Pelo meio da névoa matinal, vislumbrou uma silhueta esguia, envolta num pijama demasiado largo e deslocando-se em movimentos sincopados ao longo do pátio; estranhamente, reconheceu neles ritmos e cadências, compassos quaternários, ligeirezas e pausas que iam ficando desenhadas pelos pés, na fina camada de areia.
Maria quase não se permitiu a respirar. O músico dormia profundamente.
Sonâmbulo, passou horas a riscar no chão folhas de pauta, cheias de bemóis e sustenidos, notas incómodas, sonhadas de dia e que haveria de tocar à noite, roubando a outros as horas de sono a que os génios não têm direito.


Em fundo, 'Claire de Lune' - Debussy

segunda-feira, 28 de junho de 2010

maravilhas do meu porto # 3

Em noite de S. João, do cais de Gaia, vi o meu Porto assim; perdulário de luzes, a esticar a preguiça pelo Douro adentro, coração largo a oferecer poiso e abrigo.





Maravilhas do meu Porto, que nessa noite foi de todos.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

as coisas que tu sabes, pai!

Este era o meu problema: 


Dobradiça partida, 
écran do portátil solto do lado esquerdo,
porcas e parafusos perdidos.


 Tiram-se as medidas com o compasso de bico;


cavilha sextavada coloca-se no torno;


A broca fura o diâmetro pretendido;


O buril de sangrar faz o acabamento;


Ajusta-se a tensão do serrote de ourives;


Corta-se a peça na espessura pretendida;


E o resultado final:
 à esquerda, a de fábrica, à direita, a acabada de sair do torno,


verificada na medida pelo paquímetro
o passe de rosca acertado pelo conta-fios,
  ajustada no seu lugar pela chave de cruz.

Estas são as mãos de quem nasceu há exactamente 79 anos.




Ainda hoje, as coisas que não sei, pergunto-lhe; 
esmaga-me sempre com o poder das respostas e das suas soluções.

Parabéns, Pai.


Em fundo, escolhida a preceito, a versão original de Recuerdos de Alhambra, dedilhada pelo inigualável Andre Segovia