quinta-feira, 30 de setembro de 2010

não gosto de crepúsculos


Não gosto de crepúsculos.
Fascina-me o poético púrpura vespertino, quando me aquieto, observando o movimento astral, mas incomoda-me a indefinição das sombras, aquela nebulosa indecisão entre a claridade reveladora e a escuridão uniforme.
Não gosto de crepúsculos, nem mesmo dos cíclicos, que acinzentam olhares outrora vivaços e teimam em libertar fantasmas antigos, a coberto do lusco-fusco, insinuando-se como destinos fatais.
E não gosto de crepúsculos que se entranham na pele e no sangue e as caras se fecham em Invernos taciturnos.
E como não gosto de crepúsculos, reclamo o sol, a luz e o dia, ou as estrelas, o breu e a noite, escurecidos ou iluminados, esclarecidos, pelo menos, nas imagens que me dão ou não.
Por mim é simples. Eliminem-se.
Porque eu não gosto de crepúsculos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

acreditar


Batiam as onze da noite, quando os pés descalços de Leonor se sentiram no lajedo, pisando alternadamente os quadrados brancos e os pretos, mesmo no meio, sem calcar as juntas de união, tal como fazia quando jogava à macaca. Pisar os riscos, significava ficar de fora do jogo e ela queria jogar até ao fim, até onde nascia a parede que ostentava duas portas, lado a lado.
A mãe, sempre a avisara em relação àquelas duas portas. Que ocultavam grandes mistérios, que nunca se deveria delas aproximar sem supervisão de um adulto, e, sobretudo, nunca por nunca tentar abrir qualquer uma delas. Mas porquê, mamã? O que está do outro lado é mau? Não sei, filha, mas nunca ninguém de lá voltou, nem de uma nem de outra. Ó mamã, e se eu abrir a porta e não gostar do que lá vir, não a posso fechar outra vez? Não, querida, não podes. Quem as abre, entra, e pronto.
E pronto; quando a mãe dizia 'e pronto', Leonor acreditava.
Debaixo dos fartos caracóis, a cabeça fervia-lhe em congeminações. Aninhada no colo da mãe e vestida apenas com uma simples camisa de cambraia, encostou os ouvidos ao seu peito, deixando-se embalar pelas batidas compassadas. E, de um salto, pôs-se em pé e correu para as duas portas, sem se importar com os quadrados pretos e brancos. E disse 'um, dois, três!' e abriu-as exactamente ao mesmo tempo. E pelas duas foi engolida, sugada com a força de um vórtice, turbilhão doido e vertiginoso que só parou num trambolhão seco, frente a um velho de longas barbas brancas.
Quem és tu? perguntou. Sou o teu destino, respondeu-lhe. E que será de mim? tornou. Aquilo que tu quiseres. Sou cego, sabes? Tens que ser tu a conduzir-me. Para onde me levares, assim eu serei.
Abriu os olhos. A mãe afagava-lhe os caracóis e levantava-a do chão. Pronto, minha querida, já passou, foi só um pesadelo tonto que a febre causou. Eu fico aqui à tua beira e não deixo que caias da cama outra vez. Pronto.

A mãe tinha dito 'pronto' e Leonor acreditou.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

manel feijoeiro e a tragédia das leguminosas


Manel Feijoeiro, todos os dias se levantava de madrugada, para aconchegar nas sacas de chita, os seus preciosos feijões mágicos que levava para a banca da Praça.
Só ele lhes conhecia o dom especial que possuíam, em crescerem na mesa do pobre, para lhes reforçar o sustento, manterem-se iguais na do remediado, que os dividia irmãmente, e encolherem na mesa do rico, abafados que ficavam pela abundância de outros pratos.
Digamos que eram feijões com vontade própria, portanto.
Tanta, que era logo na venda que os papeis se invertiam: não era o freguês que escolhia os feijões, mas os feijões que escolhiam o freguês, saltando sozinhos para o cartucho de papel pardo que Manel segurava, enquanto olhavam intensamente, com o seu olhinho hipnótico, para os olhos das clientes, colocando-as num transe instantâneo, que logo passava, quando já todos tinham marchado lá para dentro.

Os mais sabidolas e reguilas eram os manteiga: de trato fino e dengoso, escolhiam sempre as donas de casa mais jovens, ansiosas por surpreender e agradar aos recém-maridos com os seus dotes culinários, macios e tenros que ficavam em qualquer receita; mais sérios e recatados, os fradinhos, davam-se bem com viúvas, beatas e solteiras eternas, de hálitos desleixados, dando-se, por isso, ao luxo de exigir a companhia da cebola crua, mal se sentiam cozidos; os rajados, ou catarinos, preferiam as criadas de servir, por razões óbvias de classe, logo eles, a quem Manel nunca conseguiu dominar aquela ânsia de poder entrar nas casas abastadas pela porta dos fundos; os brancos só iam para o cartucho das senhoras da alta roda, que os usavam na delicada confecção das sobremesas, transformados em glicémicos pastéis, e os vermelhos sentiam-se importantes era com as mulheres do povo, que lhes davam longos banhos, e eles, inchados, podiam olhar de soslaio para as gordas chouriças e as hortaliças tronchudas do quintal.

Ora, houve um dia, em que um feijão Vermelho se apaixonou por uma feijoca Branca, jeitosa que ela era, de curvinhas tão refeitas e olhinho tão oval. Destinada para a mesa dos ricos, como ela estava, logo o murmurinho se levantou, pois se há coisa de que os feijões não gostam é de misturas, e o Vermelho, exclamavam os brancos, haveria era de alinhar no cartucho da Senhora Quitas, uma velha cozinheira de mão cheia que trabalhava numa cantina.
Patati, patatá, rebéubéu, trálálá, a discussão estalou, e mesmo com a mediação dos fradinhos e os chiliques dos manteigas, o que é certo é que, brancos e vermelhos, chegaram a vias de facto, deixando a banca do Manel Feijoeiro na maior das confusões, e a ele, furioso da vida, por lhe estragarem a venda, que nem mais um saltou para o cartucho.
Chegado a casa, pôs tudo em pratos limpos e não mais consentiu insurgências, vontades próprias, nem tão pouco escolhas, a feijões mal educados e mal agradecidos, pelas muitas horas de bom trato que lhes dispensara. Desanimado, informou-os de que o negócio tinha ido por água abaixo, que ele abalaria para o Luxemburgo, logo que os papéis fossem tratados, e que todos os seus feijões seriam entregues ao Pingo Doce mais próximo.

Depois disso, Manel nunca mais foi o mesmo e a Praça também não.

Até porque, vários anos mais tarde, ainda muitos se recordariam de Vermelho e Branca, um par de feijões namorados, que, demolhados em lágrimas, pela paixão contrariada, tão deprimidos e inconsoláveis, viriam a precipitar-se, juntos, para o abismo do passe-vite mais próximo, protagonizando, assim, a mais profunda das tragédias leguminosas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

adeus, verão, até para o ano!

Matosinhos
Caminha
Samil, Galiza


Pic-nic 'tuga' - Samil, Galiza
Sanxenxo, Galiza
Espinho
Peniche
Foz do Douro
(Fotos minhas, Verão 2010)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

jardins proibidos



É que foi mesmo por causa de aquele querubim rechonchudo ter aterrado ali de mansinho, logo ao lado da janela, que acabei por dar, à parede do meu quintal, esta cor azul celeste, igual ao que será, certamente, o ambiente em redor da sua nuvem-natal.
E, no correr do pincel, estendi-me para a mesa e depois, claro está, para as cadeiras, ufanas que ficaram de ter um ferro forjado naquele tom, tão enjoadas que já estavam do verde musgo, a agradecerem-me muito ter-lhes aprumado a elegância das cornucópias recortadas.
De seguida, com um gesto largo, atirei ao ar uma mão cheia de sementes e outra de bolbos e raízes. Quis o acaso, que se juntasse, no mesmo canteiro, uma Margarida e um Delfim, entre quem nasceu um amor-perfeito, levando-os a unir as suas vidas num casamento de sonho; ele, muito direito e elegante, num fato completo de campânulas azuis, ela, vestida de longas pétalas brancas e brincos-de-princesa, herança da sua avó.
Pois foi o bastante para que, na Primavera seguinte, do negrume do seu farto útero, húmido de desejo para ser fecundado, nascessem Dálias e Rosas, Jasmins e Loendros, cuja vida e profusão de aromas e cores, não permito a mais ninguém desfrutar.
Tudo, porque hoje, este é o meu pequeno e secreto esconderijo de pensamentos etéreos e tranquilos, fluídos enquanto escuto o ralhar sereno dos mais velhos, a acalmar o ímpeto dos mais novos, teimosos em esticar hastes e ramos ainda tão tenros.

Dizem que é apenas o vento a restolhar as folhas, mas eu é que sei.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

marés



Foto minha, Foz do Douro, 2010

Foi o sabor da corrente que um dia me levara.
Temperou-se de novos paladares, mudou de rumo e amarrou segura no cais de onde afinal nunca saíra.
Porto sereno, aquele que me abriga, a ocultar de mim a sede de tempestades .

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

prenúncio do fim



A minha caminhada na blogosfera vai chegar ao fim.
Quase dois anos depois, deixarei desocupada a casa de um blogobairro de luxo, cativante e envolvente, do qual guardarei recordações fantásticas, impossíveis de apagar, registadas que estão nesta rede imensa.
Se deixo saudades?
Só vocês o dirão.
Anuncio a retirada, mas deixo uns últimos posts, textos que fui escrevendo e nunca publiquei, agendados até 12 de Outubro; em jeito de despedida, sabendo de antemão que, na vida, o que hoje é para sempre, amanhã pode mudar e os ciclos assim se renovam.

A todos, pelo que me fizeram rir, chorar e aprender, deixo um abraço de agradecimento.

domingo, 5 de setembro de 2010

vamos à Feira?

A Feira de Artesanato e Gastronomia de V. N. Famalicão, decorre até dia 12 de Setembro.
 
Passeando pelos vários stands, encontramos as Rendas de Bilros.....




....as vassouras de milho painço....


...os teares manuais...


...o ferro forjado....



...o mel puro, acabado de sair da colmeia...


...a bijuteria, com cristais Swarovski, feitos pela minha amiga Cristina....



...e no fim da caminhada, doces malandrecos para retemperar as forças!



E então? Vamos à Feira?