sexta-feira, 31 de outubro de 2008

a educação dos nossos filhos # 1


Sinceramente, há coisas que não entendo.



Se calhar sou muito retrógrada, muito exigente ou vivo noutro planeta.



Mas não me conformo.



O futuro do nosso país está em jogo, todos os dias, a todas as horas, em cada minuto que passa e mais uma criança nasce neste jardim à beira mar plantado, que de jardim já pouco tem, pelas ervas daninhas que proliferam, se passeiam orgulhosamente e crescem desmedidamente sem que ninguém lhes atalhe as raízes com uma boa sacholada.



Olho para a esquerda e vejo grandes discursos do alto de um palanque, olho para a direita e vejo do alto de um palanque grandes discursos. Só para a frente é que me toldam a visão e o turvo desse tempo que ainda não chegou, preocupa-me. Muito.



Como mãe que sou, então, a preocupação torna-se em angústia e a angústia em pânico. E não é para menos. A educação (com letra minúscula e a outra, com letra maiúscula) dos nossos filhos, torna-me azeda e descrente na esperança do melhor que gostaria que fosse deles.



Vou ter que reflectir sobre ela e nas várias vertentes que me baralham os neurónios. Talvez daí saiam alguns posts, talvez ao escrever consiga ordenar as ideias, talvez os comentários que possam daí surgir me façam retomar a fé ou provocar o seu desabamento definitivo.



Vou dormir sobre o assunto e, quem sabe, sonhar, na cumplicidade do meu travesseiro, com aquilo que conscientemente não consigo descobrir.







quinta-feira, 30 de outubro de 2008

o dia em que as crianças foram um pouco mais felizes

Logótipo Emergência Infantil
Vem este post a propósito de um outro que li há uns dias, aqui, sobre a injustiça que existe neste mundo, em relação a crianças que são obrigadas a suportar fome, maus tratos e trabalhos escravos em que esgotam as suas frágeis forças.
Discutiu-se então, entre os comentadores, o pouco de que servia chorar, se nada fazemos de activo para alterar as coisas, quer seja pela inércia, quer seja pela indiferença que sentimos quando não nos toca a nós, ou pela que simplesmente escolhemos sentir, fechando os olhos e olhando para o outro lado. As emoções reveladas foram intensas, como sempre que fazemos um auto-exame de consciência e concluímos que poderíamos ter feito muito mais.
Isso fez-me lembrar que fui uma privilegiada, por, há uns anos atrás, ter tido a oportunidade de fazer algo por crianças desprotegidas, abandonadas e negligenciadas.
Não foi muito, nem heróico, nem tão pouco muito visível, mas foi alguma coisa.
Aproveitando umas férias no Algarve, aceitei o convite para visitar uma instituição fabulosa, dirigida por uma pessoa fabulosa, que gere uma equipa fantástica: O Refúgio Aboim Ascensão, em Faro, o primeiro centro de acolhimento em Portugal a activar a Emergência Infantil, cujo objectivo é prestar cuidados imediatos a crianças em risco, num projecto criado pelo Dr. Luís Villas-Boas, e que mereceu, em 1998, a distinção do "Princess Diana Award of the Children and Family's Foundation".
Chegámos tarde, ao final da tarde de um dia de calor intenso, vindos directamente da praia e com a pele ainda cheia de salitre dos banhos que tomáramos. A informalidade tinha-nos sido assegurada pelo próprio director do Refúgio, também ele pouco amigo da rigidez de indumentárias e do pouco que ela significa para crianças carenciadas.
Entrando pela porta principal, fomos, de imediato, conduzidos ao seu gabinete para nos ser explicada a origem da obra e das intenções pré-definidas pela família que lhe deu nome, casa e recursos iniciais, num discurso não estudado, não memorizado, e sobretudo sentido por quem viveu cada momento do caminhar do projecto. Em destaque, na sala, a fotografia de uma Princesa de Gales sorridente encabeçava o valioso Prémio e responsabilizava as atitudes dos seus detentores, mas por mais que eu tentasse, não poderia imaginar o que iria ver.
Estranhamente, num local onde as crianças são acolhidas até aos 5 anos, o silêncio reinava, e as vozes tendiam a baixar, enquanto percorríamos os corredores da vivenda adaptada para o efeito e apreciávamos as condições que tinha para a difícil tarefa de garantir "o direito a um colo": salas coloridas de terapia da fala, com computadores e softwares dedicados, espaços amplos e espelhados para a terapia ocupacional, uma piscina interior de água aquecida a paineis solares, ligada a um sofisticado sistema de controlo do pH e cloro, uma cozinha enorme, completamente equipada em aço inox, de brilho bem esfregado, um frigorífico de duas portas, cheiinho até cima de frutas, legumes frescos e iogurtes Danone, fraldários solarengos a abarrotar de todos os melhores produtos da Dodot e de montes de roupinhas de algodão de todos os tamanhos, cheirosas, cheias de côr, lindas, meticulosamente dobradas e passadas a ferro.
Mas e as crianças? Onde estavam elas??
Pé ante pé, fomos descobrir a razão do silêncio e das vozes abafadas. Era já hora de dormir e as inúmeras crianças aí albergadas, abandonavam-se nos braços do Morfeu em berços de grades de madeira envernizada, arrebitando os tutus naquele cheio de fraldas que vinca as regueifinhas, cobertas de chambrinhos leves pelo calor de Agosto, de faces coradas e quentes a que apetecia encher de beijos.
Os únicos que se mantinham ainda acordados eram bébés de poucos meses que necessitavam de cuidados especiais pelas suas particulares condições de saúde: um croata, abandonado por turistas viciados em heroína, ainda mantinha ciclos de abstinência a que era preciso atentar, dois portugueses seropositivos e um alemão com dificuldades na digestão de proteínas, retinham a total atenção de 3 profissionais do Refúgio, que vigiam, 24 sobre 24 horas, cada uma daquelas inocências.
Extasiados com aquela imagem, e perante a necessidade de manter o sossego daquele sono, pensávamos terminar a visita por ali, quando de um outro corredor, se começaram a ouvir vozes distintas e infantis, murmúrios que iam aumentando de tom, misturados com alguns risinhos e baques surdos. Intrigadíssimos, seguimos o percurso até à origem, atrás do Dr. Villas Boas. Num dormitório de camaratas, onde, supostamente, já deviam estar no mundo dos sonhos os cerca de 10 a 12 miúdos de 4 e 5 anos, o reboliço era enorme, com crianças em pijama a pinchar em cima das camas, a pular de umas para as outras, a fazerem fitinhas, gracinhas e outras macaquices, perante o olhar benevolente e condescendente da vigilante.
Sem qualquer tipo de embaraço, nem tão pouco de estranheza, foi-nos dito que as crianças abandonadas, à mercê de adultos que baseiam as suas decisões de adopção em olhos azuis ou pestanas grandes, tendem a chamar a atenção, para melhor demonstrar as suas capacidades, sempre que pressentem uma visita.
Entre os risos e as pantomimas, e apenas com a luz vinda do corredor, debrucei-me sobre uma das camas para apreciar o quadro cheio de côr, personalizado pelos próprios, que exibia o nome de cada um. De imediato, dois braços estendidos me agarraram o pescoço e içaram um corpo ágil que se prendeu à minha cintura, cruzando os pés nas minhas costas. Colada a mim, a Daniela exigiu e deu muitos beijinhos, abraçou-me com força, enrolou e desenrolou com os deditos os laços do meu biquini, tratou-me por tu, quis saber o meu nome e de onde eu vinha e só a promessa de que a manteria no meu colo, permitiu que eu cedesse aos insistentes pedidos do Tomé, um negrito hiperactivo, para que também pegasse nele e lhe desse a mesma atenção.
Ao meu lado, as outras mulheres que me acompanharam nessa visita, também distribuiam festas, mimos, sorrisos e colos e em todas nós os nós nas gargantas apertavam com tanta força, que os olhos acabaram por deixar de fazer barragem às lágrimas, confundindo aquelas cabeças para quem o choro não serve para demonstrar felicidade.
Foi um caos para devolver a tranquilidade àquele dormitório, adiantada que estava já a hora do sono, excitadas que estavam aquelas crianças, desejosas que estávamos nós por prolongar aqueles momentos.
E foi só ao despedir-me definitivamente daquela casa que a tal sensação de um incrível privilégio me tocou.
Não lhes dei comida, porque não tinham fome, não lhes dei roupas porque estavam bem vestidas e agasalhadas, não lhes dei medicamentos, porque não estavam doentes, nem tão pouco lhes dei dinheiro, porque nem saberiam o que fazer com ele.
Só lhes dei colo. E era só disso que precisavam.


Nota: O Refúgio Aboim Ascensão é uma entidade sem fins lucrativos que sobrevive graças aos acordos com a Segurança Social e à boa vontade de empresas de todo o país que fazem doações dos seus produtos, como é o caso da Dodot, da Danone e mais recentemente da BP que forneceu combustível para as viaturas e gás para a cozinha do Refúgio, suficiente para mais de dois anos. As referências feitas neste post a marcas específicas, são, por isso, verdadeiras e pretenderam demonstrar que tudo o que é feito naquela casa tem como objectivo o que qualquer pai ou mãe deseja: dar o melhor dos melhores para os seus filhos.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

identidade secreta # 2






Luena não apareceu.
ela, que chegava sempre primeiro do que a sopa, não apareceu.
a carrinha estacionada no mesmo lugar, com os faróis apontados para o mesmo beco sujo, a mala aberta, mostrando os cobertores e as marmitas, aparentavam uma noite como as outras. os mesmos olhares vazios de esperança, em corpos consumidos pelo vício, perscrutavam os gestos de todos os dias, apenas na espera de uma refeição quente.
excepto por Luena.
Galega, autómata, de colher numa mão e tigelas noutra, distribuia as refeições, as frases, as recomendações dadas vezes sem conta. mantinha a mesma postura de todos os dias, mas o olhar teimava em fugir-lhe para a direita, para o lado do candeeiro, onde devia estar Luena. abriu uma excepção e a boca para perguntar por ela. os olhares cruzaram-se, os ombros encolheram-se numa expressão cúmplice e ela percebeu.
guardou os materiais mecanicamente, olhou para o candeeiro uma última vez e virou as costas. ia a meio do caminho, quando uma lágrima lhe rolou pela face vincada. voltou para trás, amaldiçoando-se interiormente pelo que ia fazer. estacionou o carro à toa, num chiar de travões que sobressaltou os que já se tinham acomodado nos cartões para dormir e saiu, batendo com a porta. no beco sujo, o cheiro a urina, sangue e excrementos empestava o ar, os detritos que ia pisando, seringas, meias colheres queimadas, cachimbos, frascos de comprimidos e de xarope, estalavam sob o peso das suas botas. lá à frente, debaixo de trapos, restos dos cobertores azuis que ela tinha emprestado e cartões de papelão, adivinhava-se a forma de um corpo inerte. já chorava descontroladamente quando conseguiu destapar a cabeça de Luena e ver que ela mal respirava. O que é que tu fizeste, preta estúpida? O que é que raios tu foste fazer?? Galega segurava os ombros de Luena, soerguendo-a do chão húmido e batia-lhe na cara tentando reanimá-la. os olhos revirados não lhe davam grande esperança, mas não desistia e sacudia-a com mais força. gritou por ajuda, berrou pelos que todos os dias vinham até si sem chamar, mas de nada valeu. na memória, confundiam-se as imagens de há três anos, com as imagens daquele momento, e à boca vinha-lhe o mesmo amargo de revolta, enquanto encostava ao seu peito o cabelo emaranhado e pegajoso de Luena. voltou a deitá-la com cuidado. despiu o casaco, enrolou-o num cilindro e colocou-o por debaixo da cabeça dela, limpou-lhe com as mangas a espuma que lhe saía pela boca e tomou-lhe o pulso naquelas veias tão sumidas. o coração batia. fraco, tímido e irregular, anunciando que em breve era capaz de desistir. a respiração superficial também nada de bom agourava e era provável que aquele corpo frágil não resistisse por muito tempo.


Galega soluçava, revivendo passo a passo os acontecimentos de há três anos: a filha, a ida para a universidade a 300 quilómetros de distância, o namorado, a gravidez indesejada, o aborto espontâneo, a depressão, o abandono e as drogas que a atiraram em convulsões para o chão do quarto alugado de onde nunca regressou. a sua vida desde então, vendendo pedaço a pedaço das suas memórias, delapidando as recordações, para comprar marmitas, tigelas, um fogão a lenha, largo, para aguentar o peso das panelas em que diariamente fazia a sopa que distribuia e cobertores. muitos cobertores azuis. para cobrir as misérias e aquecer sacos de ossos que deambulavam pelos becos.
sem saber o que fazer mais, Galega aconchegou o corpo em cima do papelão, cruzou-lhe o braços sobre o peito e agarrando por uma ponta arrastou-o até à entrada do beco.
não tinha intimidade nenhuma com as prostitutas que por ali proliferavam a não ser em casos raros de crise do negócio, novatas à experiência a que os chulos tinham de avaliar a saída e outros acasos que as empurrassem para a baixeza de mendigar um caldo com pão.
mesmo assim, não se importou e de ar decidido dirigiu-se à que ocupava a esquina contrária à do candeeiro de Luena.
Chama o 112 pelo teu telemóvel e dá-me uma ajuda, que sózinha não posso.
Ó Galega, vai à merda, que a mim não me dás ordens, 'tás a ver? E desampara-me a loja, qu'inda assustas a clientela. Este lugar é meu, baza.
e dando um jeito à alça da mala com lantejoulas, afastou-se, empinando o traseiro apertado nos minúsculos calções justos e bamboleando os quadris do alto dos sete centímetros de tacão.
furiosa, Galega rangeu os dentes, murmurando uma praga, mordeu os lábios para calar mais um soluço e abateu-se com o peso da indiferença que reconheceu nas outras mulheres à venda.


voltou ao beco.
Luena lá estava, na mesma posição, de braços cruzados sobre o peito, acomodada para dormir para sempre, na cama de cartão que lhe amparava as tripes. foi ao carro, tirou dois cobertores azuis, dos novos, e cobriu-a com cuidado, com carinho, até com ternura. deu-lhe um beijo na cara negra e fria, passou-lhe as mãos pelos cabelos hirtos, pelo pescoço magro, onde já não se distinguiam os batimentos cardíacos. Adeus Luena, a tua vida já não é madrasta. que te saiba bem e descansa.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

identidade secreta # 1


nunca disse a idade, nunca disse o nome verdadeiro, nem de onde provinha. sentia-se mais segura assim, alerta contra os perigos tantas vezes enumerados, repetidos e memorizados. tinha prometido a si mesma que assim seria sempre, reservando para um cofre bem blindado as memórias e os sentimentos, as experiências vividas e as dores contraídas.
dizia sempre as mesmas palavras, repetia sempre os mesmos gestos, noite após noite, ronda após ronda, tentando não fixar os rostos, os vícios, os tiques e os cheiros.
pelas marcas vincadas da face, adivinhavam-lhe os cinquenta e qualquer coisa e chamavam-lhe a Galega, porque na parte de trás da velha carrinha, onde os cobertores se amontoavam, havia parte de um autocolante rasgado, com a palavra “galicia”, que remontava a tempos mais felizes.
já tinham desistido de lhe fazer perguntas e assim como aparecia, sempre à mesma hora e nos mesmos locais, desaparecia, sem rasto, sem ruído, movendo-se com a fluidez de um fantasma, que nem a sombra deixava para trás.
Luena era quem dela mais gostava.
sempre que ouvia o roar do escape roto e os soluços do motor, os únicos sons que a identificavam, reunia rapidamente os tarecos da Misericórdia e, de um salto, perfilava-se junto ao candeeiro da esquina, para que lhe distinguissem a cor da pele da cor da noite. alisava o casaco desfiado, endireitava o cachecol desbotado e segurava com força a tigela escanada, para que as mãos negras não lhe tremessem ao segurar a sopa fervente. o pão partia-lho a Galega lá para dentro, e a moçambicana agradecia os gestos mecânicos da outra sempre com as mesmas palavras, respeitando o ritual como se duma cerimónia se tratasse. Deus te 'bençoe, g'lega, qu'a tripa já reclama do caldo. vida madrasta essa, não? sim, Luena, a vida é madrasta para todos, que te saiba bem e descansa. não te queimes, respondia ela automaticamente, enquanto voltava a colher para outra malga estendida.
Luena queimava-se. dava-lhe prazer aquele líquido quente a escorrer pela garganta abaixo, engrossado pelas sopas de pão. era a única altura do dia em que sentia realmente alguma coisa, em que saía da dormência do crack fumado doentiamente e dava uma oportunidade ao corpo e ao espírito de experimentar algo de físico.
e, enquanto tinha os sentidos acordados, indagava-se sobre aquela estranha que já conhecia tão intimamente por saber de cor quantas palavras dizia, com que expressão o fazia e quantas vezes levava as mãos ao cabelo para puxar para trás a madeixa teimosa que lhe saía do gorro de inverno ou do lenço de verão.
___

depois da ronda, ia descansar. lavava a cara e as mãos, esfregando-se como se quisesse arrancar a miséria da pele. a velha carripana, com o motor quase a gripar, ia precisar de óleo, mas isso tinha de esperar. os cobertores, contados e recontados só iam dar até ao final da semana e isto se o frio não teimasse em perdurar, adiando outra vez o fim da estação em que os velhos morriam mais. paciência. logo se havia de ver o que faria para resolver. metodicamente, ia retirando a roupa, primeiro as calças, para ficarem por baixo, depois o casaco demasiado largo, a camisola de gola alta cinza e, finalmente, o soutien que não conseguia segurar o seios secos e enfezados.
vestia uma velha camisa de dormir, com laços e rendas desfeitos pela humidade, ajeitava a almofada amarelada e puxando para si um dos cobertores azuis, tentava adormecer. pela cabeça, desfilavam as mesmas imagens de sempre. as que queria esquecer mas não conseguia, as que lhe atormentavam a alma, sem dó nem piedade, as que a faziam desesperar num tormento dorido e a mantinham acordada, até de madrugada o cansaço a vencer.



nota: acaba amanhã!!!!







segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Aurora, a telefonia e o violino



Tal como seria de esperar, quando casei, ganhei uma sogra. Não daquelas sogras intrometidas e de pêlo na venta, das que fazem jus às anedotas e arrepios dos maridos, mas das outras: as de que ninguém fala, porque nos fazem lembrar a nossa própria mãe e ninguém se permite admitir que possa haver outra mulher, para além dela, de quem possamos gostar tanto.


No presente, a Aurora, carrega, ainda com uma surpreendente agilidade, o peso de uns 80 anos enxutos, apenas beliscados pela osteoporose nas cruzes e pelos joanetes doridos. Viúva há quase dois anos, do homem com quem partilhou mais de 50 da sua vida, mantém uma independência notável dos 4 filhos que lhe sairam das entranhas: todos os dias se levanta cedo, faz a cama, vai à mercearia e à padaria e prepara o almoço para si, para os filhos e para os netos, que por ali perto trabalham e estudam e que gostam de a ver ocupada; duas vezes por semana faz hidroginástica e, de Verão, noutros tantos dias, faz caminhadas, à volta do bairro social onde fez crescer os filhos, sempre limpos e arranjadinhos, saudáveis, educados e trabalhadores. O mesmo bairro onde mora há 45 anos, testemunho da mulher já madura em que se tornou e da vida que nunca lhe foi fácil.
É que a Aurora nunca teve luxos.
Desde os 5 anos, habituou-se ao trabalho duro de sair de madrugada com a madrasta e trouxas de roupa à cabeça, para irem lavar no rio e pôr a corar nas bouças.
Fez-se moça bonita, de dentes muito brancos e olhar por cima do ombro, no meio perfil que as fotografias da altura usavam.

Só namorou 2 rapazes.
O primeiro morreu-lhe nos braços, seco de tísica, o segundo, casou-a, fecundou-a e amou-a todo o tempo que teve neste mundo.

Não se arrepende de nada.

Com 4 filhos nos braços e pouco mais do que um ano na escola, fez sempre as contas certas de uma casa, com um ordenado só para dar de comer, vestir, calçar, pôr a estudar e não ficar a dever nada a ninguém.

E não esquece o passado.

Ela ainda é do tempo em que a canalha lhe fugia do açoite para ir surripiar fruta de pomares alheios, rilhar como maçãs cebolas cruas, com o sal que levavam de antemão nos bolsos, ir a pé para a praia, de marmita feita, Circunvalação abaixo, até Matosinhos, para poupar para o gelado os 10 tostões do eléctrico e, todos os dias, jogar a bola nas ruas, sem receio de serem atropelados por um automóvel, nem por algum adulto com segundas intenções.

É do tempo em que, apesar de tantas dificuldades, enfrentava a vida com alegria e boa disposição; tanta, que não parava de cantar, tanta, que o fado lhe saía pela garganta fora, entre o gastar da pedra do lavadouro e o pontear dos lenços de assoar ou dos coturnos do marido; tanta, que quando a voz não se ouvia, o bairro estranhava e perguntava "Então, ó 'rórinha, a telefonia não toca hoje??"


Hoje a Aurora já não canta. Os anos enrouqueceram-lhe a voz, mas a memória das letras continua fresca como dantes.
E é por isso que tanto gosta de ouvir os fadinhos da Festival, quando a noite se aproxima e a ponta de solidão se faz sentir. Sentada na poltrona gasta, sorri para si mesma com as malandrices das cantigas do Neca Rafael, trauteia as melodias da Maria Clara ou da Hermínia Silva, recita de cor e salteado qualquer tema da Amália...

E é por isso, que sempre que o La Féria estreia um musical, a levo ao Rivoli.

Já assistiu ao "Amália", ao "Jesus Cristo Superstar", ao "Música no Coração" e, mais recentemente, ao "Violino no Telhado". Veste-se sempre a rigor, dando um toque especial à sua austera simplicidade: um jeito com o pente ao cabelo branco, um colar de pérolas, um pouco de base e rouge, um toque de baton, a carteira dos casamentos....nada de espalhafato, principalmente para quem só agora começa a vestir algumas peças com tons de branco, para aliviar o luto.

A rotina é sempre a mesma: sair de casa antes das 8 da noite, levantar os bilhetes no teatro, comer um prego em pão no café da esquina e esperar pelo toque do sino e pela voz gravada do António Sala que anuncia que o espectáculo vai começar.
Desta vez, a sala estava cheia, tão cheia que tiveram que pôr cadeiras extra para sentar todos os que naquele sábado quiseram ver o José Raposo, a Rita Ribeiro, o Joel Branco e o resto do elenco.

As luzes apagaram-se, mas o rosto da Aurora iluminou-se e os olhos brilharam. Aos primeiros acordes musicais, a testa da Aurora, sempre encorrilhada pelas preocupações da vida, alisou e o sorriso abriu-se....Olha como ela canta tão bem......Que bonitos fatos eles trazem.....Então, mas aquela coisa anda à roda?? Eles inventam cada uma... Está magro o José Raposo, mas quem está linda, linda é a mulher dele, que agora até estão divorciados...Sabes, filho, aquele actor que faz de mau é muito amigo do teu primo Zé, quando nasceu o Pedrinho ele foi lá à maternidade e tudo.....Já vai acabar?? Já?? Olha que peninha, está-se aqui tão bem....Foram duas horas e meia; no intervalo das falas, a Aurora bebeu as canções, espantou-se com a agilidade dos cossacos, arrepiou-se com as vozes, riu-se com as tiradas, bateu palmas até lhe doerem as artroses das mãos e até gritou um "BRAVO!!!" na apoteose final.

Ao cair do pano, Aurora dos Santos, singela até no nome completo, estava satisfeita com mais um musical... Sim, senhora, muito lindo...a prima Leta também havia de vir....ela também gosta muito destas coisas e eles trabalham muito bem....Ó Mãe, se quiser eu arranjo bilhetes para si e para ela, vêm as duas e vê outra vez....Não, filho, neste não.... podias ter-me feito isso era no Música no Coração.... Ai é?? Mas então gostou ou não gostou deste??.. Gostar, gostei, mas gostei mais do “Música no Coração”....têm todos canções muito bonitas, mas é que desse eu já conhecia a história.

domingo, 26 de outubro de 2008

ponto de (Si)tuação # 2



Querido Diário,

Nem sei como cheguei viva ao final desta semana....

Sabes que tendo sido apadrinhada pelo Carlos, pela Patti e pela Velvet, a minha chegada ao blogobairro foi carregada de uma imensa responsabilidade e, ainda por cima, tocou-me a organização da festa surpresa do aniversário do padrinho, na passada 6ª feira. Os convidados foram imensos, a organização gigantesca, mas afinal tudo correu bem e o aniversariante ficou satisfeito e devidamente homenageado. Poupo-te aos pormenores, porque a história deste evento ficou para a História do Blogobairro, por isso, se quiseres, vai perguntar a quem lá esteve.

A relação com os vizinhos tem sido estupenda.

São muito respeitadores, muito educados, não se importam nada que eu goste mais de receber na minha casa do que visitar a dos outros e são incrivelmente delicados quando passam por aqui a cumprimentar-me e a deixar este ou aquele comentário sobre as coisitas que vou tirando da arca que trouxe, e que vou estendendo ao sol, do lado de fora da minha janela.

Além disso, são muito solícitos. Já não me lembrava de encontrar gente que não se importe de dar uma mão aos vizinhos, seja quando falta uma chavenita de açúcar, seja quando não se consegue acertar no raio da formatação de um post ou juntar-lhe musiquinha.

Pois é, querido Diário, estar neste Bairro tem sido muito engraçado e gratificante, até porque, ficas a saber, sempre que aparece alguém chatinho, rude ou mal intencionado, é logo corrido ao pontapé e à lapada, para que a dignidade se mantenha, como é aqui apanágio. Ahh, pois é, que é que tu pensavas??

Olha, pronto, acho que já te contei as principais novidades da semana. Vamos a ver como é que eu passo a próxima, com as historietas que encontrei na arca e pus a arejar para irem direitinhas para o lado de fora da janela.

Se houver mais novidades, entretanto, venho a correr aqui contar-te, 'tá bem??

Beijinhos,

Si

sábado, 25 de outubro de 2008

a festa lá do bairro




Foi de arromba!!


Uma festa a rigor, com smokings práqui, visons pralá, piruetas em cima de Manolos Blahnick, limousines, jactos particulares directos para Nova York, o Waldorf Astoria por nossa conta, catering perfeito, no leva e traz de caviar Beluga, de canapés de salmão fumado da Baviera e queijo fresco com ervas finas dos Alpes, trufas negras, vinhos argentinos, chilenos, patagónios,











uma orquestra fabulosa, Frank Sinatra ao vivo (o homem até ressuscitou pra nós, vejam lá!!!!)





pas-de-deux com os convidados lindééééérrimos que a Patti trouxe, uma enoooooorrrrmme passadeira em veludo azul, a abarrotar de fotógrafos paparazzi, e o Moët et Chandon sempre a correr, delicioso, geladinho, a estalar na língua, para o brinde ao aniversariante!!















E o pessoal do bairro?? Que chiques!! E todos tão simpáticos!!!
















Ahhhhh........foi tão divertido, não foi???


Mas não digam a ninguém......


Quando acabou..........foi um ALÍVIO!!!!!!!!



sexta-feira, 24 de outubro de 2008

a rigor

Acordei bem disposta.

Hoje é 6ª feira, logo, o fim de semana está à porta.

Com a água do chuveiro a cair pela cara abaixo, revejo mentalmente os compromissos, as reuniões, os telefonemas, o vai e vem de mails, os sorrisos da praxe e os murros em cima da mesa, que de antemão se prevêem, mas que não se anotam no pda.

Quero lá saber.
É assim todos os dias, não é?
De rame rame em rame rame, ao pontapé e à lapada, como eu costumo dizer, lá vamos vivendo os 5 dias por semana, 10 a 12 horas por dia (no mínimo), em que temos que manter a rigidez da postura, do comportamento, da autoridade e de outras palermices instituídas, porque era muito mais fácil cada um fazer o trabalho que lhe compete e deixar os outros trabalhar em paz.
Olha, olha, e hoje vou-me lá chatear com isso???

Nááá.

Hoje não.

Depois do trabalho, vou despir a máscara e vou vestir-me a rigor:

Mas não vou sózinha.

A Patti, que tem madeixas, vai assim:



A Velvet, que é loura, veste este:E o Carlos, que não sabe, vai ter que colocar um postiço:













O Blogobairro está em festa....

O Padrinho faz anos!!


E para lhe dar um presente inesquecível, aqui ficam as fotos de todas AS suas amigas do blogobairro:

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

adverti(Si)ng

Foto internet

Está sonolento(a)??
Farto(a) de trabalhar no computador??
Sente os olhos pisquentos de cansaço, dores no pescoço, e na zona lombar??
Temos a solução para si!!
A Quick-Nap é um equipamento de vanguarda, fruto de inúmeros anos de estudo em laboratórios norte-americanos, que lhe permite tirar uma pestaninha, mesmo no escritório, enquanto grava documentos, actualiza páginas da internet, ou apaga as listas intermináveis de “spams” da sua caixa de correio electrónica!!
Discreto, confortável e eficaz, este aparelho é um poderoso aliado anti-stress, permitindo-lhe recuperar energias, enquanto trabalha, ou mesmo enquanto o Chefe lhe passa um responso!!
O design ultra-ergonómico deste equipamento, alia a elegância de um par de óculos de lentes reactivas à luz (a luz exterior escurece as lentes, impedindo que se vejam os olhos fechados), a um contrapeso para a nuca, instalado nas hastes (impedindo a incómoda posição de queixo colado ao peito) e ainda a um silenciador de ronco, portátil para escritório, disponível com alarme para quando lhe baterem à porta do gabinete, ou com função auricular, para locais de trabalho “open-space”. Só para uso em emergências, este dispositivo possui também um airbag incorporado nos apoios de nariz, que entrará automaticamente em acção, sempre que o nível do contrapeso da nuca exceda o limite de graus pre-seleccionado, minimizando, assim, os estragos de uma valente cabeçada no teclado.
O software incluído poderá ainda ser programado para as seguintes funções: “Chefe”, “Colega” ou “Subordinado”, adaptadas à posição hierárquica que o usuário ocupa, permitindo que, em modo automático, se realize um “scan” a 360º e 1 metro de distância, na função “Chefia”, 360º e 2 metros de distância, na função “Colega” e 360º e 3 metros de distãncia, na função “Subordinado”. Ultrapassando-se as distâncias pré-definidas, o sistema dispara o alarme (exterior ou auricular) e, através de bluetooth, comanda o “rato” do pc, para fechar as mensagens pouco éticas da secretária, as páginas da internet mais suspeitas, ou abrir o último relatório lambebotas do favorito do patrão.
Não deixe para mais tarde o que pode dormir hoje!! Encomende já!! Ligue 800-2009-000 e habilite-se a ganhar acessórios extra – um prático MP3, com 1500 horas de músicas “Reiki” já incluídas e ainda um colete cervical em silicone invisível, sustentador de sonecas mais prolongadas!
Nota: Os direitos de autor deste equipamento não pertencem a ninguém e agradece-se, reconhecidamente, a quem o inventar!!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

notícia de abertura

F Foto Dario Flores

Ele vai-te matar, ele vai-te esfrangalhar, ele vai-te estocar, esventrar e estripar com a forquilha do demónio, ele é negro, tem os olhos vermelhos de raiva, tem os cabelos em chamas, desceu dos céus para te castigar, abriu-te o inferno onde vais cair, tens de te defender, tens de evitar, tens de fugir, mas não consegues, porque ele te vai apanhar, vai-te matar, é agora, é logo, é mais tarde, é sempre, não baixes a guarda, porque ele espia até os teus pensamentos, até os teus sonhos ele conhece, é ele que te provoca essa dor tão aguda quando te trespassa a cabeça para te esmiuçar os miolos, e as cores?? gostas destas cores? porque não as pintas?? pega num pincel e fá-lo, não ouves?? estou-te a dizer para pintares as cores, de que estás à espera? as mãos também servem para pintar, para mostrares ao mundo como gostas de vermelho, mas tens de as tirar dos ouvidos, tens que os destapar, mas eu não quero, porque senão ouço gritos, eu não quero porque ele está sempre a mandar em mim, eu não quero porque tu também mandas em mim e eu não te quero ouvir, não quero, não quero, não quero!! então não queres ouvir? eu falo mais alto, eu dou-te razões para tu ouvires, não vês que ele te vai matar, te vai esfrangalhar, te vai estocar, esventrar e estripar com a forquilha do demónio e é agora, é logo, é daqui a bocado, é sempre, tens de lhe fazer frente, tens de te defender, tu que és um anjo tens que evitar que o maldito traga mais mal ao mundo. não tens pena das criancinhas que ele violentou, das mulheres que ele abusou e maltratou? acaba com isto já! acaba com isto agora!!


“Boa noite, abrimos este Jornal com a notícia que está a chocar o país, um homem, de 35 anos, foi, esta manhã, violentamente assassinado pela sua companheira, no Lugar das Almas, freguesia do Concelho de Além. Segundo fontes que requereram o anonimato, os pormenores deste crime são de uma violência indescritível, já que a vítima foi completamente esventrada por uma forquilha, usada para a agricultura, e o seu sangue espalhado com as mãos pelas paredes da casa. O corpo de Manuel Paz foi descoberto por vizinhos, que deram o alarme, ao verem a sua companheira no exterior da habitação, despida, ensanguentada e com a arma do crime nas mãos. Não se sabem as causas que, alegadamente, levaram Maria das Dores a cometer este acto, mas ao que tudo indica, sofrerá de graves pertubações mentais, nomeadamente de esquizofrenia”



segunda-feira, 20 de outubro de 2008

post sobre nada



Hoje não sei sobre o que escrever. Tinha medo destes dias, em que sentada em frente ao écran, não conseguisse juntar letras de jeito. O futebol da televisão, convence-me que olhar para uma virtual folha branca será melhor actividade do que olhar para uma coisa de que não gosto nem percebo patavina, por isso, faço um esforço para me concentrar.
Ainda olho lá para fora, para ver se o tempo convida a outra distracção de fim de semana. Também não. Os lampiões acesos escurecem ainda mais este entardecer de outono em que a chuva resolveu aparecer.
Huuuumm..., pois....que raio, não me sai nada...
Na cabeça, junto imagens de outros bloggers, que não conheço pessoalmente, mas que me prenderam às suas páginas, porque, todos os dias, têm algo de interessante para partilhar, atentos à realidade dos acontecimentos, oportunos, sagazes, críticos, discutindo com as vírgulas, com o mesmo à vontade com que discutem com órgãos genitais, distribuindo ares da sua graça, estendendo com estilo o seus tapetes de veludo azul, abrigando-nos da tempestade e aparando-nos os ataques de estupidez, num rochedo seguro, ponderado e extremamente polido. A eles não imagino que isto aconteça.
Hummmmm....raisparta, e agora? O que é que eu digo mais?
Bem, meteste-te nesta, agora desenrasca-te....
Olha, parece que o Ronaldo fez uma boa jogada....ou não.....afinal sim.....ora bolas, pelos vistos não.....estes comentadores de desporto não se decidem....estão como eu....deixam-se ir na onda e para o lado que a coisa fôr é para o lado que se deixam cair.
Ora bem, então vamos lá mais a sério. Agora é que é! (O susto de quase golo da equipa adversária, faz sair um quase grito do cara-metade aqui ao lado, e pronto, lá me distraí outra vez e a fugaz ideia que me passou pela cabeça, para servir de tema a um post, acabou por se eclipsar à velocidade da luz.)
E se eu arranjasse umas fotozinhas da net, uma musiquinha lamechas e um vídeo do “you tube”? Não era mal pensado....afinal, nos milhões de blogs que andam por aí, é quase só isto que a maioria faz, concerteza até com muito sentido, mas só para eles, pronto, e quem sou eu para criticar?? Ou então podia reunir assim uma série de panfletos, politiquices, campanhices e outras tolices, digitalizadinhos, editadinhos, photo-shapados, para que todos saibam que sou muito atenta e aguçada e para receber muitos comentáriozinhos de apoio, de concordância e a parabenizar a sensibilidade de um acto tão altruísta.....
Não.
Não foi assim que percebi as atitudes assumidas.
Não foi assim que cresci no blogobairro.
Por isso, aqui prometo. Se algum dia não estiver inspirada, se algum dia não tiver nada para dizer, tal e qual como hoje, fiquem descansados que não vou escrever nada. Nunca, neste meu blog, haverá posts sobre nada!



domingo, 19 de outubro de 2008

ponto de (Si)tuação



Faz hoje uma semana que me mudei, de armas e bagagens para o blogobairro.
Tive casa cheia, com visitas a entrar e a sair, a deixar sorrisos, cumprimentos, beijinhos, desejos de felicidades e muitas palavras de incentivo.
Senti-me muito bem vinda e acolhida com carinho por todos.
Não tenho ilusões e sei que a blogosfera é um mundo virtual, com tantos defeitos e virtudes como o mundo real, abrigando pessoas boas, más e outras assim assim, que se escondem atrás de um pc, tal e qual como no nosso dia a dia, os que connosco convivem se escondem atrás de falsas simpatias, amizades e outras hipocrisias.

E tal como no mundo real, aprendemos que tudo se constroi devagar, para podermos ter certeza dos nossos passos e de com quem lidamos. É por isso que continuo a visitar apenas os blogs que conheci no início e que convidei para padrinhos. Não é que os conheça, não é que tenha a certeza de serem exactamente as pessoas que imagino, nem tão pouco que os considere melhores ou piores que outros bloggers, que através das caixas de comentários já vou reconhecendo. Pelo contrário. É apenas uma forma de estar, como outra qualquer.
Perdoem-me, pois, se não retribuo as visitas, se não comento em outros blogs (não é que tenham sentido a minha falta, mas enfim...: ) : ) , se me deixo estar neste cantinho, sentada à janela que dá para o pátio deste bairro tão simpático, onde vejo passear a Fada, a Gi, a Vekiki, o Tretoso, o António, o Pedro Oliveira, o Salvoconduto, a Miepeee, a De Dentro para Fora, a Rosa dos Ventos, a Cristal, a....................................

No meu primeiro post prometi que por aqui continuaria enquanto me sentisse bem.
Pois.
Se calhar vão ter de me aturar por um bom tempo........


sábado, 18 de outubro de 2008

abstenção, não!

Como qualquer coisa que se faça nos EUA, as eleições presidenciais são levadas tão a sério, que os candidatos até fazem campanha em países estrangeiros.
Tudo para que fique bem claro, nas mentes dos votantes, que a credibilidade de cada um é reconhecida em toda a parte e que ser presidente dos States é quase tão importante como ser Papa.
Por isso, palminham de lés a lés todos os Estados, descobrindo os podres mútuos para contra-atacar ou lutam com as garras de fora, em debates renhidos, com Plumbers Joes, ou Johns Does estrategicamente escolhidos.
Mas a única arma realmente eficaz para lutar contra a abstenção, democrata ou republicana, foi encontrada por Obama, e essa, McCain não lha pode retirar.....








quinta-feira, 16 de outubro de 2008

in(Si)nuações



Partiste.
Simplesmente partiste.
Sem aviso, sem ameaça, sem um sinal de fraqueza.
Arrancaste parte de mim e eu fiquei sem jeito, sem perceber como foi, o que provocou, o que tinha eu feito.
Houve alturas em que me descuidei de ti, mas só na altura em que a paciência, a tristeza e o sofrimento me fizeram descuidar de mim mesma, e isso já lá vai, porque arranjei forças onde não as havia, vim à tona e da superfície rumei a terra firme, onde voltei a cuidar de mim.
E de ti.
E dei-te mimos redobrados, compensei-te por tanto tempo de abandono, cuidei-te cada vez com mais pormenor, mais exigência, mais ritualidade.
Agora vou ter de recomeçar.
Vou ter de ter ainda mais paciência, mais cuidado e mesmo assim, nada me garante que não volte a acontecer.
Até lá só me posso proteger para não me voltares a magoar.

Detesto partir uma unha!!!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

requiem

Foto internet

Sento-me num rochedo que conheço bem, onde a calma invade o espírito com o bater das ondas em movimentos ritmados, e abro o computador.
Tenho lá guardada uma pasta, para onde vou descarregando as múltiplas ideias que me perspassam a moleirinha, um caderno de apontamentos que só não está riscado, safado, esbodegado e marcado do lápis, porque é muito mais fácil carregar no delete.
É com alguma fúria que bato com os dedos no teclado.
Hoje o dia foi pesado. Muito pesado.
Com as decisões difíceis, com os olhares de crítica, com as insatisfações de gente mesquinha e tortuosa, posso eu bem.
Com as injustiças humanas, ambições desmedidas de poder, misérias e outros desatinos comuns, sofro, mas a vida é assim.
Agora com injustiças divinas, daquelas que castigam e desabam como a espada de Démocles em cima de cabeças inocentes, sem apelo nem agravo, devastadoras e desoladoras, sinto-me completamente impotente.
Porquê?
O que é que se passou?
Que prepotência decidiu que tinha que ser assim?

Um destino que ainda não tinha começado, acabou de repente.
Sem explicação, sem aviso, sem nenhum sintoma.
Dois dias antes do parto previsto, o feto desistiu de viver.
Assim.
Tal e qual.
Não dá para escrever mais, porque nem quero sentir.

Há 17 anos, podia ter-me acontecido o mesmo.

nota: post imprevisto e sofrido, que substituiu o agendado....

terça-feira, 14 de outubro de 2008

14/10/91



Foto tirada por uma amiga





Misturam-se ingredientes exclusivos, explosivos carnais, resultantes de um acto tresloucado, pensado, amado ou violado, encontram-se células, mitocôndrias, cromossomas, genótipos e fenótipos, núcleos, membranas plasmáticas, citoplasmas, vacúolos e inclusões, provocam-se cadeias de reacções, divisões e multiplicações, rasgam-se trajectos tortuosos de teias de líquido vital, descarregam-se cargas eléctricas em impulsos mesuráveis em volts, amperes e oms, tecidos frágeis, flácidos e disformes alinhavam durezas em tutanos, medulas e cartilagens, encolhem-se caudas, arredondam-se formas, esculpem-se perfeições em detalhes mínimos, tão mínimos como uma unha do dedo mindinho, uma pestana, um fio de cabelo.



E quem diria que isto tudo amassado é uma alma?



Milagre revelado em palavreado científico, imagens a 2 e 3 dimensões, que não dizem o que sentimos por aquele ser, tenha ele o tamanho de um grão de arroz ou já não nos caiba na barriga.



Foi assim que começaste, filha, e foi aí que comecei a amar-te.




segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Onda do Mar

Foto Erik Kolstad
Tocas-me com os dedos
Brancos de espuma
Molhados de sal
Frios como a bruma
Esse afago arrepia-me
Sinto-me estremecer
E enrolada no teu abraço
Deixo-me adormecer




domingo, 12 de outubro de 2008

de Si para si

Este é o meu primeiro post, num blog que começa hoje, num desafio que me foi lançado, num desafio que me abalanço a aceitar, com muitas reservas, com muitas reticências, com muitos receios.

Não que alguém exija muito ou pouco de mim, não que tenha que prestar contas a ninguém, justificar, explicar ou muito menos agradar. Simplesmente, não gosto de exposições fúteis, alardes e exibicionismos, tão tentadoramente fáceis na aldeia global em que se transformou este mundo.

“De Si para si”, será apenas um caderno de apontamentos, um virtual tubo de escape para verbalizar algumas irritações, neuras, boas disposições, alegrias, impulsos de escrita e outras altercações mentais que o quotidiano nos impõe, sem aspirações nem comparações a qualquer estilo mais ou menos literário. Vou escrever aquilo que me apetece e mais nada.

O nascimento deste blog, nesta data, tem uma razão de ser, que será explicada daqui a uns dias e os padrinhos, convidados VIP e comentadores residentes serão os autores dos três únicos blogs que visito e comento: Crónicas do Rochedo, Ares da Minha Graça e Blue Velvet – três cantinhos que me receberam com uma delicadeza incrível, sem me conhecerem de lado nenhum, e que me acolheram e me fizeram sentir em casa, num blogobairro muito exclusivo, muito bem frequentado.

E é por causa deles que este blog tem o nome que tem.

A partir de agora a minha assinatura passará a ser apenas “Si”, o nome pelo qual me chamam os meus amigos do lado de cá da blogosfera, o nome pelo qual gostarei de ser chamada pelos amigos que do lado de lá encontrei.

E enquanto me sentir bem, como até agora, por cá ficarei....