Há coisas que são instintivas. Há coisas que não conseguimos racionalizar, mas que nos saem pela boca fora num grito, pela pele em arrepio, pelo corpo num salto.
Detesto os histerismos, irritam-me aqueles berros descontrolados, em decibéis demasiado elevados, desatino com os clichés de mulheres, de cabelos em pé, em cima de uma cadeira, por causa de um rato minúsculo.
Não porque ache uma parvoíce pegada, mas porque também já tive fobias e, com algum esforço, consegui controlar o pavor.
Primeiro eram as cobras.
Depois foram as aranhas.
E os encontros imediatos que tive com estes dois animais, fizeram-me reflectir, qual raio atirado por um Zeus iluminado, que teria de contrariar os impulsos de repulsa.
Em relação às primeiras, a minha curiosidade de criança e a abundância de livros sobre a Natureza, em casa dos meus pais, alimentaram-me a imaginação e levaram-me de encontro a várias espécies de répteis sinuosos que, todas as noites, se divertiam a percorrer, ondulantes, os cobertores da minha cama, numa farra que só o lençol, ferrado nos dentes, me impedia de denunciar em altos berros.
Em relação às segundas, qualquer aranhiço daqueles desgraçadamente finos que mal se vêem, que me surgisse à frente, era logo praticamente desintegrado pelas ondas sonoras que me saíam em tsunami pela boca fora e nem a vassoura impiedosa da mãe em auxílio, descobria, depois, qualquer rasto, que não fosse a eventual teia.
E foi aí, que Zeus resolveu acabar com as minhas patetices.
Convém, aqui, dizer, a título introdutório, que a cave, em casa dos meus pais, era o nosso espaço. As paredes foram forradas, de alto a baixo, com posters grandes, médios, pequenos e diminutos, que a minha mãe, pacientemente recortou e colou, com cola de farinha, feita por ela. Uma aparelhagem, um sofá, uma carpete de pêlo alto e vários bancos coloridos, estilo anos 70, compunham a mobília que fazia as delícias dos nossos amigos quando iam lá a casa. Ali estudávamos, relaxávamos, ouvíamos música, ou organizávamos festas de aniversário, com espaço e direito a bailarico e tudo. Logo, era o nosso mundo, para onde nos escapulíamos, mal chegávamos do liceu.
Daí que, o Dono do condomínio olímpico, acertou em cheio, quando resolveu, invertendo a ordem das fobias, pintar estrategicamente esta divisão, com uma mancha que não mais esquecerei, por cima de uma imagem do um plácido Danúbio: Enorme, negra e peluda, de oito patas, saídas de um corpo gigante, esparramadas numa paisagem azul celeste!! Não sei de onde veio, nem para onde foi, porque fiquei oito dias sem pôr os pés na cave, até ter a certeza de que a dita tinha desaparecido definitivamente. Pela minha saúde que nunca tinha visto uma aranha tão grande, mas a fúria de me ter expulsado do meu espaço ficou-me atravessada e jurei que, a partir daí, quem mandava em mim era eu, no que dizia respeito a aracnídeos.
As cobras, também foram um desígnio do poderoso, aliás, só podem ter sido, tão caricata foi a situação em que as enfrentei, num dia, pouco antes de casar, em que ia meter a chave na porta, para entrar. Este gesto, que todos automatizamos no nosso dia a dia, foi interrompido, quando notei algo de estranho pendurado no puxador exterior. Diversos pensamentos me passaram pela cabeça, à velocidade da luz, deduzindo eu, em milésimos de segundos, que seria qualquer partida que me estariam a pregar, imaginando, desde logo, a minha mãe, do outro lado da porta, com um sorriso malandro estampado na cara.
Enganei-me.
Ao examinar melhor o que estaria ali pendurado, concluí, e juro a pés juntos que isto é verdade, que ali jazia...uma cobra, com cerca de metro e meio! Completamente estarrecida, e sem saber se a desgraçada estaria viva ou morta, já nem utilizei a chave e toquei à campaínha, tentando afastar-me o mais possível.
Depois do susto inicial, a explicação foi óbvia: teria sido uma brincadeira de miudagem atrevida, que teria tocado à porta, momentos antes e fugido, deixando ali pendurada a vítima de alguma das suas aventuras. Mortinha da silva, garantidamente, pudemos, então apreciar a beleza e maciez da sua pele, contrariando a certeza que eu tinha de que as cobras eram repulsivamente viscosas e assegurando que a sua textura era igualzinha, ao vivo, ou numa carteira ou par de sapatos qualquer.
Ultrapassada esta última fobia e para gaúdio daquele, que apenas por uma indigestão, nos pode fazer cair o céu em cima da cabeça, agora sou uma mulher confiante, relativamente a estes dois tipos de animais e já peguei em répteis tão assustadores como uma pitão gigante de cor de chocolate e verde musgo, ou um aligator bébé dos pântanos das Everglades.
A A. seguiu-me os passos, mas empancou a meio: as aranhas e ela e ela e as aranhas, não conjugam.
Talvez porque nunca teve uma cave só para ela.
21 comentários:
Ai vizinha, agora é que a coisa se complicou.
Lá aranhas, aranhiços e familiares, tudo bem.
Mas cobras e qualquer coisa que rasteje, não há hipótese.
Tenho quase a ceteza que só um Euromilhões daqueles que se acumulam durante meses e todinho para mim, me levaria a tocar, com o mindinho que fosse numa cobra, lagarto, iguana. brrr
Até estou arrepiada.
Pronto, chame-me sub desenvolvida, maricas, o que quiser.
Mas nada a fazer.
E vou-me pôr a andar daqui depressinha que aquela fotografia não me sai da retina.
Beijinhos apressados.
Ps: só mais uma coisinha: também não gosto de pessoas que rastejam, se é que me entende. Fui!
Ai, Si, tenha santa paciência; eu vivi em África e na Índia, onde reinava toda a espécie de bichos "peçonhentos", soube de pessoas conhecidas que morreram por causa deles e apesar de as achar bonitas, as cobras, acho que não lhes tenho respeito, tenho verdadeiro pavor.
Não sou de histerismos, mas sou de ficar inerte tipo estátua.
As aranhas, à escala portuguesa, não me inspiram grande medo, mas nos trópicos todos os bichos parece que foram mangnanimizados.
Sempre tive nojo de ratos,faz-me muita confusão os ratos e nas aldeias do nosso Portugal profundo existem e sempre me fez muita confusão.as aranhas e as cobras não me causam repulsa como os ratos.brrrrrrrrrrrrrrr
po
vilaforte
Olha que eu também já tive uns enconros de 3º grau com aranhas e nem por isso a fobia passou, ou melh o, não gosto mesmo é das pretas e peludas pois os aranhiços desengonçados têm imensa piada :)
E ratos...odeio ratos...e só de pensar nas caudas fico arrepiada :S
Beijinho
Si,
Cá estou eu a comentá-la e....
Mas que raio de conversa logo pela manhã!...
Bom, nenhum dos que referiu me incomoda, mas há bichos que me arrepiam, tal como as iguanas, embora sejam pacíficos e as aranhas peludas.
Perante os que referi, acho que um pau achatado na ponta resolve o problema, caso eles se dirijam para mim...
Tretices grandes para Si.
http://tretas-da-vida.blogs.sapo.pt/
Gosto imenso de aranhas. Ficava horas a vê-las construir as suas teias, porque me fascinava a sua argúcia. Quanto a ratos, tive que conviver com gordas ratazanas durante a minha estadia em Mafra, por isso me habituei. Em relação às cobras, gosto de as ver ... ao longe, ou mortas!
Ah! Mas sabe o que mais adorei neste seu post? Foi a cave! Em minha casa tínhamos uma cave exactamente assim, onde fazíamos exactamente as mesmas coisas de que a Si fala. Os aquários, numa das salas, eram a maior atracção para todos. Ainda hoje existem, mas os peixes que agora lá habitam, já não têm a alegria dos meus tempos de infância/juventude.
Credo, que horror, vá de retro.
Odeio aranhas peludas, centopeias de mil patas, cobras silenciosas e bífidas.
E conheço tantas….
Costumo dar-lhes com os meus quatro cascos e com a indiferença quando olho para o céu para ver onde vai parar a minha flecha.
Blhéck Si!
E BARATAS VOADORAS E LUSTROSAS???????????????
Adeus, fui-me, evaporei-me!
Velvet,
Acredite que é mais fácil tocar numa cobra a sério do que conviver com as 'tais' que rastejam...
E se conseguisse fazê-lo, veria que a sua pele é delicadíssima e de uma maciez impressionante, sem qualquer pingo de viscosidade.
Tal e qual, como se estivesse com uns 'Manolos' na mão....
rsrsrsrs
Gi,
Longe de mim enaltecer venenos, que desses tenho, como qualquer pessoa, um medo terrível! Falo é do medo irracional, à nossa escala, claro, e como é lógico os animais em que peguei, não foram propriamente encarados num ambiente completamente selvagem, mas sim controlado, em jardins zoológicos ou shows de animais, em que os mesmos não são domesticados, mas também estão bem alimentadinhos!!!
Pedro,
Dos ratos também tenho nojo. Ou melhor, não é dos ratos em geral, mas sim das ratazanas, pelo ambiente em que vivem, pela porcaria que lhes está associada, e dessas, as caudas é que são mesmo nojentas....
Mas não posso dizer que tenha fobia delas.
Ka,
Foi um processo gradual, tive que me auto convencer disso, e preparei-me psicologicamente para esse fim, ou ainda hoje acompanharia a minha filha nos saltos e gritos que ela dá quando vê uma aranha, nem que seja em fotografia!!
Quanto a ratos, ratazanas, em especial, já disse ali ao Pedro que as caudas também me causam um nojo incrível.
Tretoso,
E como é que acha que era a aranha com que eu deparei lá na minha cave? Parecia irmã gémea da que pus no cimo deste post, juro-lhe!
E antes de me revoltar contra a fobia, nem pau achatado, nem vassoura, nem nada me valia...era mesmo fugir a sete pés!!
Carlos,
Ainda é um espaço fantástico, em casa dos meus pais. Vantagens de pertencer a uma família numerosa e de ter uma casa grande...
Quanto as aranhas, as teias só me fascinam se forem em filmes, daqueles em que elas formam palavras e tudo**. Na minha casa ou na dos meus pais, leva logo com a vassoura em cima!
**Refiro-me àquele filme da Disney em que havia 1 aranha muito bondosa, chamada Carlota, que escrevia palavras na teia do celeiro para evitar que o porquinho fosse para o tacho...
Patti,
Tocou-me no ponto fraco. Essas pestes é que são, juntamente com caudas de ratazana, o meu nojo absoluto. E é engraçado que a maior parte das pessoas nem sequer conhece as voadoras, só mesmo as de cozinha, pretas e sem asas. As de que fala, ainda por cima, são avermelhadas e voam em todos os tamanhos, tenham elas 2 mm ou 3 cm!! E conforme pode verificar nem lhes escrevi o nome....blagggggggghhhh
Bem se é para falar de coisas que nos metem nojo eu também tenho algumas,cobras tenho medo que ferrem, as aranhas nem por isso,ratos tenho mesmo nojo não é medo,agora o que me mete mesmo nojo e me faz arrepiar, que foi o caso ontem quando vi um na televisão, são os sapos,grrr! desde miuda que lhes tenho uma enorme aversão, só de falar me arrepio, agora mude-mos de assunto, ok! vou ver se esta a chover...fui
De dentro,
Ahhahaha, hoje toda a gente sai a correr disparada deste blog!!!
Quando não quiser comentários, ou quiser expulsar a vizinhança da minha casa, já sei o que fazer!!
E por acaso, até já estava a estranhar ninguém falar deles, porque essa é mais uma das minhas recordações de infância, onde apanhei dezenas, que supostamente seriam para dissecar nas aulas de ciências, mas que acabávamos sempre por adoptar, com pena dos bichos!!
Olha....foi-se embora tão depressa que nem levou beijinhos!!
rsrsrsr
Agora imaginem-se Mãe de um futuro herpetólogo, pois é.
Nunca lhe chamei fobias, nada disso, respito sim os bixarocos :)
Tenho no quintal, um aquario enormeeee, que contem-deixa ver se me lembro- 5 salamandras, 3 especies de sapos, uma osga não sei das quantas,- e aqui sim repugna-me- larvas de varios insectos, para alimentar a bixarada!
Mãe sofre!
Beijinho
Ai Coragem, que esta foi a melhor do dia!!!!!!
Fantástico!
Mãe sofre mesmo, com fobias ou sem elas!!
O que vale é que o filho tem uma Mãe Coragem!!
Beijinhos
Óh pá!
E eu a pensar que tu ias cair...
Para a próxima ponho uma verdadeira...hehehhe
Olha ele!
Tu lembras-te daqueles animaizinhos de que eu falo à Patti e que nos fizeram companhia durante uns tempos, há muuuuuuuuuitos anos atrás???
Ai, Jesus, o que se sofreu na altura.....
E por falar nisso: então não deste a tua opinião sobre o post abaixo??
Huuuum....acho que vou amuar....
Pois.....aranhas tudo bem , mas cobras NAO !!
Aqui para nos que ninguem nos ouve...tenho panico de gafanhotos .....shiuuuuuuuu nao diga nada a niguem !
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