segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

dela o início, meu o final # 2

Era uma vez um conto que começava aqui:

E pronto. Foi esta semana. Entrei em provação alimentar.
Asneiras saborosas, excessos nutritivos e pecados calóricos serão esquecidos durante alguns meses. Deixarão assim de ter lugar no meu prato.
Mas sabem tão bem...o que me custa, sabem lá vocês.
Bom, reza a lenda das dietas, que sempre que alguém decide retomar o saudável caminho da contenção nutritiva, muitos hidratos de carbono sofrem verdadeiros percalços nas suas excessivas vidas.
Soube em tempos de um suculento bife do lombo com ovo a cavalo, ser rejeitado numa mesa durante um almoço de amigos, por se apresentar demasiado gordo. Ora acontece, que nessa mesma tarde o suculento naco, finalmente decidira pedir em casamento a mão da bela sericaia com calda de ameixas. Assim, a sua não admissão à mesa dos convivas revelou-se num real desastre amoroso.
O bife não mais admirou a sua sericaia. Os seus olhares não se trocaram. Os seus pratos nem se roçaram. E os seus aromas sequer se misturaram. Uma tragédia quase fatal, aquela refeição.
Não fora o inestimável préstimo da sua companheira e amiga de tantos anos, a batata frita caseira às rodelas, mais o tinto da casa e a airosa broa de milho, que logo se dispuseram a encontrar solução para o funesto desencontro, jamais os dois amantes se voltariam a refeiçar.
Vai daí, resolveram...

e continua assim:

Vai daí, resolveram acertar talheres e lima-limar arestas que pudessem acidular ainda mais o azedume duma Sericaia desiludida na esperança de encontrar aquele que poderia vir a ser o prato forte dos seus dias futuros.
Desde que ele faltara ao encontro, andava com os azeites; impaciente, irritada, desleixada até, na correcção da tez amarelada por retoques de pó-de-açúcar. E por mais que a tentassem mimar com banhos de hortelã e infusões de flor de amendoeira, a sua doçura inata desaparecera, dando lugar a uma aspereza citrina difícil de engolir, mesmo para aqueles que tão bem lhe queriam.
Os esforços conjuntos dos aliados esboroavam-se em migalhas e, num estado depressivo evidente, a outrora bela Sericaia, definhava e amofava-se.
Foi quando, de repente, surgiu na sua vida o Tecolameco.
Esquivo, finório, tratante e gingão, apaladava-se junto de sericaias inocentes ou encharcadas mal amadas, ganhando-lhes a confiança e fazendo-as sentir autênticos toucinhos do céu, que logo devorava sem complacência.
E ela caíra nas suas garras. Com uma paixão tórrida, caramelada e insana, possuída de gritos gemados de volúpia, sempre que era por ele tocada, ultrapassando largamente, em cada encontro escaldante, a temperatura do seu tão delicado ponto de pérola.
Se outros fossem, encolheriam os ombros e virariam a espátula.
Mas eles tinham prometido, e, assim, a BFC, o TC e a BM, que já tinham praticamente desistido de tentar reunir as vidas e os corações dos seus amigos, acharam estar na altura de proceder a uma intervenção drástica.
Sabendo do seu fraquinho por qualquer rabo de fios de ovos, combinaram com uma sinuosa Lampreia, daquelas profissionais, que se fizesse de frágil e abandonada, junto do Tecolameco, para acicatar o seu espírito volúvel.
Meu dito, meu feito.
Num forno-bar de má fama, o predador Tecolameco bloqueou logo o radar sobre a Lampreia fingida, e os seus avanços lúbricos foram imediatos e impiedosos, sem que se apercebesse minimamente, que todas as manobras do seu cerco iam sendo devidamente registadas pela última geração de câmaras espias, que o isco levava escondida num botão-cereja do vestido amarelo.
Completada a encenação, e quando o pseudo-galã estava plenamente convencido do sucesso de mais uma conquista, preparando-se já para chegar a vias de facto, eis que a Lampreia interrompe a sua exibição preliminar de bíceps, com uma sonora gargalhada e um menear de anca desprezativo, deslizando pelo quarto fora e deixando um Tecolameco seminu, perplexo e incrédulo.
Rodeada dos seus fiéis companheiros, a Sericaia viu o filme todo; quase desmaiava. E de raiva incontida, ingeriu de uma vez só 350 gramas de açúcar, que lhe devolveram finalmente a doçura tradicional.
Daí a o seu coração voltar a bater pelo bife do lombo, foi um instante, a reconhecer a sua fidelidade e firmeza de carácter, um segundo, a escrever-lhe uma mensagem apaixonada, um momento, apenas. Remoçava, renascia e concluía, ela e o seu amado eram confeitos um para o outro e nada, nem ninguém mais os impediria de se refeiçarem, ela de branco véu de claras, ele de tenro fraque, saindo da igreja a cavalo no ovo……
E assim foi, de facto. Com a bênção das freiras Clarissas.
Do Tecolameco, pouco mais se ouviu falar. De quando em vez surge, ali para os lados do Crato, todo trôpego, com um grão de bico na asa, a falar, meio entaramelado, de uma Sericaia Encantada e de uma Lampreia Embruxada que lhe ferveram o coração.
Chegam a ter pena dele, dizem, mas deixam-no ir.
'Conforme fizeres a tua cama, conforme nela te deitarás' - afiançava a minha avó.
E tinha razão.

19 comentários:

salvoconduto disse...

Ena cum carai, só agora vizinha? E fui eu a casa da outra por mor de uma sobremesa e ela afinfou-me com cadáveres, etiquetas no dedo gordo do pé, eu sei lá!...

Já lambosei a imagem toda tal a agonia em que ainda estava!

Já quanto ao Tecolameco é o que dá terem acabado com o serviço militar obrigatório. Não são obrigados a fazer a cama, num aprendem, dá no que deu...

E quanto aos pecados calóricos, não se preocupe, faça um forward que eu dou-lhes seguimento.

Unknown disse...

Estória mais do que engraçada e que bem mostra a vantagem de ter amigos fiés.Muito manhoso o tecolameco e muito ingénua a sericaia,coitada.Tudo acabou em bem para eles,nanja para mim,que imprimi a receita da sericaia e...quem sabe vou exterimentá-la no fim-de-semana.Lá se vão os meus 80-60-80.

pedro oliveira disse...

As avós nunca se enganam.Um inicio de semana bem doce.
bjs

Luísa A. disse...

Aqui se prova, Si, como os «triângulos amorosos» são destrutivos, fatais, mas os «quadrados» nem por isso. «Et tout est bien qui finit bien». ;-)

Pitanga Doce disse...

Ó Si eu vou sair daqui correndo ou não vou caber mais naquele biquini, não!

Estás convocada para falar sobre a tua visão a respeito da "pegada". Ou em Portugal não há???

Olha, onde anda a PresidentA???

Rosa dos Ventos disse...

Depois de tão deliciosos pitéus lá terei que tomar um Compensan, para também "compensar".
O texto está mesmo "apetecível"...

Abraço

BlueVelvet disse...

Xi, tinha-me esquecido disto:)
Mas o teu está tão fantástico que não sei se me meto nisso.
Além do mais percebo pouco de bifes a cavalo.
Beijinhos de mim para Si

BlueVelvet disse...

Ó afilhada, cadê o meu selinho de Feliz 2010? Não trouxe, não?

Bea. disse...

muito bom o texto :) E também acho que avós nunca se enganam.
Te add , um beijo grande.

Patti disse...

Oh valhameDeuseNossaSenhoratodosjuntos!

Eu de dieta e esta Sinhora imbuída do espírito malévolo e escarninho da provocação.
Munida de calorias, pérfidos nutrientes e malignas gorduras, lá vem ela de Tecolameco em riste, atirando-mo para a frente dos olhos e invadindo-me o odor.

Textural, paladarífico, fragrâncio!

paulofski disse...

E pronto, agora é que foram elas.

Ó dona Irene, pode ir tirando o cafézinho que eu já almocei!!!

Pitanga Doce disse...

Ó Patti, de fato, não se pode contar com a Si em momentos de aflição! hehehe

Pitanga Doce disse...

Si, deixei um recado pra ti lá na Patti.

Filoxera disse...

E refeiçaram-se eles muito bem.
Que sejam felizes. Muito. Se não para sempre, pelo menos enquanto puderem.
Beijos.

Anónimo disse...

Ler isto a seguir ao jantar, não foi a melhor opção, mas como me tinha falado de sobremesa, cá vim antes de tomar o cafezinho. Só que não vou à bola com lampreias (nem dessas nem das outras), por isso vou tomar o café antes que arrefeça.

Fatima disse...

A blogosfera elegeu a gastronomia como tema do dia... ai foi, foi.....!!!

simecq.cultura

anniehall disse...

Tenho amigas que se acham redondinhas e afirmam ganhar peso sem comer...basta o ar:)!.Só de olhar...o olhar as evistas de culinaria, passar numa montra com chocolates e pronto o ponteiro da balança avança avança:):-)
agora imagine o resultado se lerem este conto;)

Dulce Braga disse...

Que doçura!:)

Gi disse...

O que vale é que a doçaria não me tenta. :D

Si: Está cada vez mais em ponto de rebuçado a sua escrita. :D