
Gostava bem dele, eu, quando nos escapávamos das aulas, principalmente naqueles dias em que o Outono começava a esfriar as cabeças de vento dos nossos doze, treze anos, tão cheias ainda do sol, areia e mar com que nos alambazávamos em três meses de férias.
Sorrisos cúmplices, bilhetinhos trocados e, ala, que o tiro a Matemática marcava a partida, driblava-se a atenção da Visgarolha, que, coitada, sofria de estrabismo, mais os bigodes arrepiados do Director Nini Pé de Salsa, que se rebolava pelos corredores, e, pronto, já chegámos, entre risos abafados e respirações entrecortadas pela corrida final, lá nos atirávamos para o chão coberto de folhas mortas, vitoriosos por mais uma balda.
O Ruço já lá tinha escondida a guitarra.
Embrulhava-a numa saca de sarapilheira, desviada das batatas para semente, no sótão do avô Luís, e encaixava-a no oco de um pinheiro velho, seco já da sangria da resina, que, ultimamente, albergava também uma desengonçada cadeira de praia, que a Tia Guilhermina deixara de usar. Para eu não me sujar, dizia ele, e espantada que eu ficava a pensar como é que aquela loira cabeça se teria lembrado de tal pormenor.
E ficávamos.
Horas esquecidas a gargalhar, a tocar e a cantar, a uma e duas vozes, a calar melros enfurecidos, a inventar letras e músicas, a experimentar interpretações de melodias já conhecidas, a abandonarmos o mundo por uma paixão da alma.