segunda-feira, 4 de outubro de 2010

o bibliotecário de sonhos


Naquela casa imponente vivia um homem só.
Na tabuleta suspensa no portão do fim da cerca, dizia 'Proibida a Entrada'.
Mesmo assim, entrei.
Avancei pelo caminho calcetado de musgo, a afundar os pés. Por momentos fui raíz  trepadora da vereda acima, um passo e outro a querer pertencer ali; pela sedução, pelo mistério das coisas que não sabia.
Deixei pendente um suspiro ao chegar ao colosso de lenho vivo transformado em porta. Rangendo, cedeu-me a vontade de prosseguir na descoberta e ele nem deu por mim.
Estava sentado numa cadeira de fumo e movia-se, cadeira e tudo, com a destreza que só os Etéreos possuem: de um lado para o outro, acima, abaixo e mais além; carregado sem esforço, de volumes de caixas decoradas com símbolos secretos.
Deslocava-as com um girar do indicador, apontando em várias direcções da vasta sala, pequena afinal para a imensidade da função: ali se guardavam, metodicamente, todos os sonhos da raça humana; os de grandeza, os puros, os pecaminosos, infantis, coloridos, a preto e branco. Até os cor-de-rosa, os de voar e de cair, todos catalogados, seriados e identificados, prontos a usar; bastaria um girar de indicador.
Deslumbrei-me. 
Quis levar os melhores comigo, escolhê-los a dedo para sonhar bem toda a vida; quis povoar-me de noites evadidas de destinos já urdidos, sonhar alto e alcançar os nunca sonhados. 
Quando dei por mim, sonhava.
O bibliotecário de sonhos, catalogou-me, seriou-me, identificou-me e guardou-me numa caixa decorada com símbolos secretos.
Na tabuleta suspensa no portão do fim da cerca, dizia 'Proibida a Saída'.


Em fundo, 'Dreamcatcher' dos Secret Garden

1 comentário:

Justine disse...

Fulgurante de poesia o teu texto, Si! É mesmo isso, uma livraria: lugar de sonho, de onde não se devia sair...