segunda-feira, 27 de setembro de 2010

acreditar


Batiam as onze da noite, quando os pés descalços de Leonor se sentiram no lajedo, pisando alternadamente os quadrados brancos e os pretos, mesmo no meio, sem calcar as juntas de união, tal como fazia quando jogava à macaca. Pisar os riscos, significava ficar de fora do jogo e ela queria jogar até ao fim, até onde nascia a parede que ostentava duas portas, lado a lado.
A mãe, sempre a avisara em relação àquelas duas portas. Que ocultavam grandes mistérios, que nunca se deveria delas aproximar sem supervisão de um adulto, e, sobretudo, nunca por nunca tentar abrir qualquer uma delas. Mas porquê, mamã? O que está do outro lado é mau? Não sei, filha, mas nunca ninguém de lá voltou, nem de uma nem de outra. Ó mamã, e se eu abrir a porta e não gostar do que lá vir, não a posso fechar outra vez? Não, querida, não podes. Quem as abre, entra, e pronto.
E pronto; quando a mãe dizia 'e pronto', Leonor acreditava.
Debaixo dos fartos caracóis, a cabeça fervia-lhe em congeminações. Aninhada no colo da mãe e vestida apenas com uma simples camisa de cambraia, encostou os ouvidos ao seu peito, deixando-se embalar pelas batidas compassadas. E, de um salto, pôs-se em pé e correu para as duas portas, sem se importar com os quadrados pretos e brancos. E disse 'um, dois, três!' e abriu-as exactamente ao mesmo tempo. E pelas duas foi engolida, sugada com a força de um vórtice, turbilhão doido e vertiginoso que só parou num trambolhão seco, frente a um velho de longas barbas brancas.
Quem és tu? perguntou. Sou o teu destino, respondeu-lhe. E que será de mim? tornou. Aquilo que tu quiseres. Sou cego, sabes? Tens que ser tu a conduzir-me. Para onde me levares, assim eu serei.
Abriu os olhos. A mãe afagava-lhe os caracóis e levantava-a do chão. Pronto, minha querida, já passou, foi só um pesadelo tonto que a febre causou. Eu fico aqui à tua beira e não deixo que caias da cama outra vez. Pronto.

A mãe tinha dito 'pronto' e Leonor acreditou.

2 comentários:

Patti disse...

Acreditamos sempre nas mães. E eu pouco acredito no destino, sou mais das coincidências...

E depois destes textos ainda diz que vai partir...pfffffffffffff

Filoxera disse...

Gostei do post e da mensagem.
Beijinhos.