segunda-feira, 30 de março de 2009

jejum


Cumpro este jejum, desde sexta-feira passada, imposto pela dura pena de ter que abdicar, ainda que provisoria e renitentemente, de um pedaço de mim.
Exagero, dirão uns.
Naif démodé, pensarão outros.
Mas eu fico com a minha.
Ou melhor, não fico e isso aborrece-me profundamente.
Sete dias, a passar devagar, impondo um ritmo que não é habitual ao dos dias de sempre, eles que apanharam o jeito de voar doidos, em vez de se fazerem sentir, sete dias em que há no ar da casa um estranho silêncio, uma ausência de som e de presença, que os fazem arrastar e parecer mais do que sete.

Faz parte.
Eu sei.
Não te lembras como foste?
Lembro.
E então?
Doi na mesma.

E portuguesa que sou, incho, com aquele sentimento que só nós sabemos pronunciar, um balão intragástrico, colocado endoscopicamente na zona abdmoninal, que nestas situações, tem sempre a tendência de se ressentir com um friozinho inconfundível, enquanto a consciência volta ao ataque inquisidor.

Já vai a caminho dos 18:
não achas uma estupidez?
Acho.
E não mudas porquê?
Porque é minha.
Ninguém disse o contrário, mas não ponderas isso, ao menos?
Mais do que gostaria, para me preparar para o dia em que irá bater as asas e voar, num futuro que, todos os dias, está mais próximo.
E a sorte que tiveste até agora?
Agradeço-a a toda a hora, mas também fiz por isso.
Não sejas injusta. Sabes o que ela disse, não sabes?
Sei.
Todos gozam com ela, por querer telefonar-te todos os dias.
E isso é motivo?
Os outros estão ansiosos por se livrar dos pais e eles dos filhos. A maior parte nem telemóvel vai levar, com a desculpa do roaming. Isso não te diz nada?
Diz.
O quê?
Que não me posso esquecer de a abraçar e de lhe dar um beijo repenicado nas bochechas, para agradecer, ainda que mentalmente, o dia em que aquela cabeça aérea ouviu e assimilou o que lhe dissemos todos os dias...

Portanto, impeço-me de saborear, sem pecado nenhum, a imagem do seu olhar, e continuarei a jejuar, um dia depois do dia um.


(e se alguém por aí for organizador de viagens de finalistas, saia-me da frente, sim??????)

sexta-feira, 27 de março de 2009

cumplicidades

Abraçou o seu corpo de guitarra e pressionou-lhe leve mas firmemente os dedos contra aqueles pontos no seu pescoço, que tão bem conhecia, desencadeando-lhe o primeiro gemido. O primeiro de muitos, que, com destreza arrancava em cada deslize percorrido, em cada investida ritmada contra nervos tensos, num improviso de movimentos estudados. Colados os dois, íntimos e cúmplices, fizeram desses amores hinos, quentes e húmidos, como as noites de Havana.

(ver até ao fim)

COMPAY SEGUNDO - Beso Discreto

quarta-feira, 25 de março de 2009

maçãs com canela



Tecnicamente ele nunca a beijou, porque foi um beijo técnico, durante as gravações de mais um episódio de 'Maçãs com Canela', que durava já há três anos na Rádio Éfeéme. E fazia parte do guião, ele, o Teotónio e ela a Maria de Lurdes, serem o motorista e a criada de servir, que mantinham um relacionamento secreto, porque os patrões de ambos, eram rivais na produção de maçãs reinetas, que eram as melhores para assar no forno, bem espetadas a meio com um pau de canela e regadas generosamente de calda de açúcar.
A história que viviam, durante 30 minutos, de segunda a sexta feira, contava, portanto, o dia a dia de duas famílias transmontanas, emigradas para o deslumbre da Capital, e das intrigas que alimentavam a competição do negócio das maçãs, tão cheias de veneno pesticida sem, porém, matar o bicho que as roía. E nem convinha. Quanto mais intrigas houvesse, maior a audiência, e quanto maior a audiência, mais satisfeito ficava o Sr. Martins, dono da mais importante casa de alfaias agrícolas da zona, que patrocinava a radio-novela já lá iam seis meses.
Ora, fica aqui mais do que evidente, que, não sendo Teotónio e Maria de Lurdes namorados na vida real, o facto é que, de segunda a sexta feira, durante 30 minutos, fartavam-se de marmelar, já que sobre eles caía a responsabilidade de fazer o elo de ligação entre as duas famílias, no leva e traz dos pormenores pegajosos. Sendo certo que todos muito gostavam das personagens, Teotónio e Maria de Lurdes, também a ninguém esquecia, naquela terra, que o Teotónio tinha uma Josefina e a Maria de Lurdes um Agostinho, que ficavam de fora da compota, de segunda a sexta feira, durante 30 minutos, mais os preparativos e ensaios prévios.
Pois, no dia do 785º episódio da sequência, a panela tombou, deixando sair em espuma fervente, o caldinho que se tinha entornado durante os últimos 30 minutos. É que mesmo sendo um beijo técnico, e, que portanto, Teotónio e Maria de Lurdes, tecnicamente nunca se tenham beijado, Agostinho ficou com a fúria em ponto de rebuçado, dirigindo-se à sede da Rádio Éfeéme com um pau de marmeleiro, pronto a entrar em acção, no que foi secundado pela Josefina, armada de uma sertã de ferro forjado.
Com a aldeia em suspenso e a perspectiva de se acabar uma novela em tragédia, valeu a intervenção do Sr. Martins, cujo negócio em franca expansão, permitiu chamar à razão Agostinho e Josefina, com uma oferta de sociedade na empresa de alfaias agrícolas, desde que ambos permitissem o namoro técnico de Teotónio e Maria de Lurdes, que, para segurança de todos, passaram a gravar, em dias separados, as suas deixas.
Celebram hoje o 1000º episódio, com o nascimento do filho bastardo de Teotónio e Maria de Lurdes, precisamente no dia em que a Casa de Alfaias Agrícolas Martins, Agostinho, Josefina e Filhos, Lda. abriu mais uma dependência, lá para os lados da Capital, com reportagem em directo para a Rádio Éfeéme.

segunda-feira, 23 de março de 2009

conversas secretas # 3


(clicar para aumentar)


Nos mistérios de um Cânon Secreto, vasculhados entre páginas desfolhadas que ocultam paciências e sabedorias infinitas, descobri esta taça, pintada com reverência por mãos magistrais de monges budistas, em tons de azul petróleo e levemente esborratada com manchas de cor de carne. Indagando a sua utilidade, examinei-a de um lado e do outro, revirando a meia esfera e sentindo-lhe as imperfeições, pelo meio da poeira acumulada que lhe soprei. Leve, mas compacta, aparentando um artefacto antigo, e no entanto vulgar, parecia não ser merecedora de ser incluída entre segredos tão preciosos, como aqueles que os seus pares guardavam pelo meio de folhas quebradiças. Foi quando descobri, que, aproximando-a dos meus tímpanos sobrecarregados de ruídos futuristas, poderia ouvir o silêncio dos mosteiros em meditação, apenas quebrado por leves murmúrios de oração devota, cujas preces devem ser levadas pelo vento e se soltaram no éter, no momento em que as ouvi.

Dji si namkha né pa tang
(Enquanto existir o espaço,)
Dro wa dji si né gyur pa
(Enquanto aí existirem seres,)
Té si da ni né gyur né
(Possa eu também permanecer)
Drowé dug gnèl sèl war cho
(Para dissipar a dor do mundo)

(oração budista)

Pousei-a de novo, com suavidade. Afinal, aquela taça, nada mais era do que meia Terra a pedir Paz para a outra meia.

domingo, 22 de março de 2009

confissões de domingo



Confesso que não tenho tido grande disponibilidade para blogosferar.

Confesso que me têm passado ao lado grandes textos que gostaria de ter comentado, onde gostaria de ter marcado presença porque me fazem sorrir, reflectir ou emocionar, logo eu, que não gosto de perder a oportunidade de dar opiniões sobre qualquer coisa.

Confesso que tenho lido na diagonal alguns outros, que em simples frases, originais ou citadas, me tocam no momento certo, sem, porém ter tempo para as disfrutar.

Confesso que me surgem imensas ideias, à velocidade do pensamento fugaz, para logo se irem, sem ter tempo de as apontar.

Confesso que escrever e ler o que os outros escrevem, me faz falta e me alivia a consciência de não conseguir abrir as páginas de um livro sem acabar por adormecer, sem me distrair com o som de qualquer coisa, sem ler vezes sem conta a mesma frase, logo eu que há tão pouco tempo (será que foi há assim tão pouco???) lia tudo o que me aparecia à frente, mastigando letras como se de cérélac se tratasse.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, dirão, a velocidade a que hoje vivemos não se compadece com paragens, mordomia de quem tem o tempo por sua conta, de quem tem sempre tempo para parar.

Hoje, dou comigo, afinal, parada, a perder-me pelos olhos rasgados em rectângulo de uma janela que nos permite ver e alterar o mundo, fazer guerras e tratados de paz, resgatar espiões e contra-espiões, guiar no espaço satélites pelo meio de espirais de furacão, traçar trajectos de ondas gigantes ou espreitar o fluxo de energia do interior de um átomo. E saber o que se quiser. E procurar e encontrar o que procuramos e muito do que nunca quisemos saber. Assim. Parados. Mexendo apenas os dedos e arregalando as pálpebras para caber tanta informação, fazendo o nosso trabalho de todos os dias, sem parar, falando em silêncio com amigos perfeitamente desconhecidos, que julgamos conhecer pelos seus desabafos e opiniões que se transformam em letras, lidas pelos nossas pálpebras arregaladas.

E trocam-se emoções. E sentimos falta delas. E vivemos as alegrias e as tristezas de quem as partilha connosco. E preocupamo-nos. E interrogamo-nos sobre questões que não são nossas, de tão pertinentes e buscamos respostas para perguntas que ainda não tínhamos feito.

Estranho mundo este em que o silêncio diz tanto.


Este post é dedicado a todos os bloggers que visito e comento diariamente, aos que leio sem deixar rasto e àqueles que, desde há algum tempo tenho vindo a conhecer e a acrescentar aos meus links. A todos, agradeço a partilha.

sábado, 21 de março de 2009

sexta-feira, 20 de março de 2009

c.SI


Deitado no meio do chão, jazia o seu corpo inerte, revelando indícios de violência, com os membros desmembrados e a cabeça deslocada. Em seu redor, vestígios de cristais brilhantes, espalhados por incúria, a faiscar no chão de mármore liso. Olhos analíticos perscrutavam as redondezas, na busca de pistas, indagando as causas do crime. E eis senão quando, usando uma capacidade de raciocínio alucinante, o seu instinto inquisidor lhe segredou, que deveria procurar a arma com que fora perpetrado. Ali ao lado, um cabo com uma rede rectangular na ponta e uma evidente impressão digital. Sorriu com satisfação e voltou a colocar os óculos de sol. O Detective-Chefe Formiga, identificara indubitavelmente, e ao mesmo tempo, os meios, a oportunidade e o motivo do agressor, que, raivosa e amanteigadamente, acertou com o mata-moscas em cima do irritante insecto que lhe lambia os restos do açúcar do pequeno-almoço.


quarta-feira, 18 de março de 2009

vaidades


As duas mãos enrugadas, de unhas ovais, recauchutadas em duas demãos de vaidade, falavam de coisas reais, entre dedos que já esqueciam a idade.

O Mindinho, que sempre fora invejoso do Anelar, escutava, mas fingia não escutar, um eterno choradinho, por este carregar o ouro amarelo, branco e platinado, que a viuvez lhe impusera usar em duplicado, numa herança quase tão pesada como a artrite avançada, de que o garboso Médio se queixava, nos dias de nevoeiro. O Indicador, em riste, enumerava uma vez mais, tão triste, as maleitas que lhe ficaram, depois que um dia o filaram, com uma serra de corte em contramão, que lhe tinha encurtado um tendão, obrigando-o a entortar para a direita, mesmo quando o feito que queria era apontar a direito, e o seu vizinho Polegar, honorável idoso, que adorava ouvir falar, escutava-o sempre ansioso, pelas histórias no seu canto, já que toda e qualquer uma, esquecia no entretanto.

Foi quando, um dia, exibindo o seu tique, o vaidoso Mindinho, que sempre se punha esticadinho, para fugir ao peso de pegar numa chávena de chá a fumegar, lhe deu um chilique, vindo, sem forças a desmaiar, e caindo, vejam só, para debaixo dos anéis do Anelar. Assustados, todos os outros e os gémeos da outra mão, acudiram, para o sacudir e acordar com um safanão. Lívido que ele estava realmente, e com ar aflito, por se sentir fraco e dormente, a pouco e pouco, recomeçou a corar, embora só tenha conseguido articular, que já há muito sentia as articulações doridas e que a falangeta lhe sucumbira numa cãimbra traída. Ralados com o que ouviram relatar, todos os outros se dispuseram a ajudar o invejoso do Mindinho, convencendo, com jeitinho, o gémeo garboso do Médio, que do alto do seu pedestal de tédio, e da sua artrite em ascenção, subverteu a inflamação, da falange e da falanginha, com muito Ozonol, em boa e grossa camadinha.

Depois do efeito surtido, o Mindinho invejoso, não deixou de ser invejoso, mas obrigou-se a ser comedido, sendo que em vez de se pôr esticadinho, quando era preciso erguer uma chávena no ar, se começou a meter por debaixo do Anelar, aprendendo a partilhar o que tudo viria a pesar.


Reflectindo atentamente
na muito simples moral
que é por demais evidente
neste relato trivial,
se conclui que o Mindinho,
indivíduo reles e mesquinho,
acabou por deixar mal
uma Senhora muito chique,
cuja postura normal
nas tardes do Magestic
era de usar bem esticado
um Mindinho retesado
sempre que à boca levava
uma chávena bem aviada
dum certo chá traçado
com verde branco regado...

segunda-feira, 16 de março de 2009

o fogo e as cinzas



Nos restos queimados do incêndio que lhes consumiu a alma, ficou, esquecido, o que ambos decifraram um do outro, significadas emoções em cinzas, páginas viradas que se armafanharam, contorcidas na dor da chama.

sábado, 14 de março de 2009

nova técnicas de doutrinação







Há uns milhares de anos atrás, teria dado um jeitaço....


BOM FIM DE SEMANA!!!!

sexta-feira, 13 de março de 2009

introspecção # 2


(clicar para aumentar)

pensar, idealizar, descodificar, inspirar, imaginar, codificar.



e quando se esgotarem as palavras?



só haverá tempo e sabedoria para escrever



fim

quinta-feira, 12 de março de 2009

introspecção


Mergulho no silêncio das palavras e deixo-me inundar pela paz líquida que me invade.
Aqui, só sou eu e elas, sem um único som, na ausência daquilo que me permite, tão simplesmente, pensar o mesmo pensamento, do princípio ao fim.

terça-feira, 10 de março de 2009

1ª sessão do tribunal de costumes do BB



GRANDE JULGAMENTO DO TRIBUNAL DE COSTUMES DO BLOGOBAIRRO


INTIMAÇÃO DO PRIMEIRO RÉU:




INTIMAÇÃO DO SEGUNDO RÉU:


Por ausência justificada da Juíza PresidentA, e delegação dos seus poderes na Directora-Geral de Impostos e Cobranças Coercivas do Blogobairro, para realização da primeira sessão deste Tribunal, à revelia dos réus, Srs. Carlos Barbosa de Oliveira e Paulofski,
DECLARO ABERTA A SESSÃO!!

Considerando:

Que o Código de Boa Conduta e Costumes do Blogobairro, é soberano nas regras definidas para este Condomínio, dele dependendo a sã e púdica convivência entre os moradores.

Que o Condomínio, como qualquer órgão democrático, possui uma Presidência e uma Direcção, democraticamente eleitas, com 100% dos votos dos condóminos.

Que nas incumbências da Presidência e da Direcção, se inclui cuidar que as normas estabelecidas sejam cumpridas por todos os condóminos.

Que nas mesmas incumbências se inclui também a inspecção de cada uma das fracções, certificando-se do acima definido.

Que, por último, se infere que ao adquirir cada uma das fracções, os condóminos aceitam tacitamente as regras do Código referido no primeiro ponto,

conclui-se que há matéria de facto para levantar inquirição sobre factos registados em várias inspecções, de que se irá dar conta de seguida, por cada réu.

1º Réu - Carlos Barbosa de Oliveira - Ocupante legítimo da fracção CR do Condomínio Blogueiro, registado sob o nome de 'Crónicas do Rochedo, Palavras que chegam em ondas, envoltas no cheiro da maresia', sito no lugar do Guincho, Lisboa.

Factos - Contravenções

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/2009/02/rochedo-das-memorias-91-sob-o-signo-do.html

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/2009/01/um-et-no-pas-dos-kalimeros.html

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/2008/12/momento-de-humor-14-especial-denatal.html

http://cronicasdorochedo.blogspot.com/2008/09/espera-do-cimbalino.html

2º Réu - Paulofski - Ocupante legítimo da fracção NG do Condomínio Blogueiro, registado sob o nome de 'No Gabinete, Espere em Silêncio Tranquilamente', sito na Baixa da Cidade do Porto.

Factos - Contravenções

http://nogabinete.blogspot.com/2009/03/blog-post.html

http://nogabinete.blogspot.com/2009/03/nos-ninguem-nos-cala.html

http://nogabinete.blogspot.com/2009/03/so-pra-contrariar.html

Todas as contravenções acima se encontram publicadas e provadas, por confissão dos próprios réus, e constituem infracções MUITO GRAVES ao Código, nos artigos abaixo referidos:

Artº 1 - É expressamente proibido passear no Condomínio Blogueiro com menos roupa do que a PresidentA, tal como está estabelecido na sua foto de perfil, incluindo óculos escuros.

Artº 2 - O Artº 1º, refere-se, apenas, à publicação de fotos de elementos do sexo feminino, em cada residência, em poses tentadoras de pensamentos mais pecadores. A publicação de fotos de elementos do sexo masculino revelando atributos físicos excelentes, como abdominais salientes e dorsais delineados será permitida, para servir de exemplo à conduta ideal dos habitantes do codomínio, que deverão cuidar da sua saúde e bem estar físico, impedindo a proliferação de epidemias de abdómenes cervejais.

Como previsto nas normas, foram levantados os respectivos AUTOS DE NOTÍCIA e aplicadas as COIMAS correspondentes, no valor de 6.000,00 € (seis mil euros), cada uma, que os RÉUS se recusaram a pagar, dentro do prazo atribuído, constituindo CRIMES DE DESOBEDIÊNCIA AGRAVADA EM 1º GRAU.

Dada a natureza gravosa e reincidentes dos CRIMES, a este TRIBUNAL não restará mais do que aplicar as SENTENÇAS correspondentes, lavradas nos autos e de aplicação imediata:

O RÉU, Carlos Barbosa de Oliveira, será condenado a:

- 5 anos de reclusão efectiva, na Prisão Condominial de Alta Segurança, sita no Estádio da Luz, com direito a uma refeição, por dia, constituída por mioleira e chá de manga, adoçado com 3 pacotes de açúcar.

- Dos 5 anos sentenciados, 3, serão passados na engomadoria do cárcere, orientado pela D. Briolanja Maria, sendo que qualquer delito de opinião será debelado pela intervenção do Sr. Carlão José.

- Durante a totalidade da pena, será obrigado a cortar o cabelo todas as semanas e a pintar a barba de ruivo, para indicar aos outros reclusos a natureza da sua condenação. No decorrer deste acto, a única leitura possível será a dos best-sellers virtuais e em 3D, da agraciada pelo Prémio Nobel da Literatura, Carolina Salgado.

- Durante a totalidade da pena, será obrigado a confessar-se todos os dias ao Padre António, o pároco da Prisão, padrinho de crisma de José Sócrates.

O RÉU, Paulofski, será condenado a:

- 5 anos de reclusão efectiva, na Prisão Condominial de Média Segurança, sita no Estádio de Alvalade, onde terá que escrever a sua biografia num livro de 700 páginas.

- Dos 5 anos sentenciados, 4, serão passados a repetir os primeiros anos do ciclo, ficando como colega de carteira do antigo crítico de moda Mário Lio.

- Durante a totalidade da pena, será impedido de blogar, bicicletar, ler e ouvir notícias, sendo que todas as actividades serão resumidas à leitura do correio sentimental enviado para a Revista Maria e à correcção dos erros de ortografia do software 'Magalhães'.

- Durante a totalidade da pena, será obrigado a frequentar um curso de gestão de mau-feitio, ministrado pelo deputado José Eduardo Martins.

Considerações finais:

- Depois de cumpridas as penas, se o RÉUS reincidirem nos crimes, será aplicada, de imediato, a expulsão do Blogobairro.

- A estes RÉUS, foi ainda perdoado o DELITO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, por aliciamento de outros residentes do Condomínio, já que os mesmos serão julgados em causa própria.

- Fica já estabelecido que qualquer possibilidade de recurso a estas sentenças só será apreciada por este TRIBUNAL, se for publicado, na residência dos condóminos, um artigo, RETRATANDO-SE da ignomínia destes crimes.


FAÇA-SE CUMPRIR!!

ANTES DE ENCERRAR A SESSÃO, LUGAR, AINDA, PARA ADMOESTAÇÕES GRAVES A PREVARICADORES MENORES, CUJA POSTURA ESTARÁ EM RISCO DE SER JULGADA POR ESTE TRIBUNAL

SALVO-CONDUTO

PEDRO OLIVEIRA VILA FORTE

EM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO, ESTES DOIS CONDÓMINOS FICARÃO SOBRE RIGOROSA VIGILÂNCIA DA BRIGADA DOS COSTUMES, ESTANDO, PORTANTO, EM REGIME DE PRISÃO DOMICILIÁRIA, COM PULSEIRA ELECTRÓNICA.


AGORA SIM, ESTÁ ENCERRADA A SESSÃO!!!!



domingo, 8 de março de 2009

Rap que é Mulher


 


é ser gaja boa e mãe desnaturada,
avó infantário e sogra amaldiçoada.
promovida na horizontal, amante do patrão,
saco de pancada, ao murro e estaladão.
cozinheira de mão cheia, lavadora de cueiros,
desinfecta sanitas e outros tantos maus cheiros,
limpa nódoas de arrotos,
com leites bolsados,
saídos de mamilos para sempre deformados.
sai de casa, é vadia, não sai, é mesmo burra,
é um amor de menina e logo velha casmurra.
é lista farta de nomes animais,
vaca, porca, pomba e outros que tais.
a que é divorciada é alvo a abater,
mas na casada também se pode mexer:
passa a ser a outra, que irá servir,
os filhos d'outra ainda, que os há-de parir.
decotes e saias são mera provocação
toma lá, estavas mesmo a pedir violação.
marcada a ferros, esta filha que se vende,
logo à noite, compra-se filha d'outra gente.
adúltera criminosa, é apedrejada,
menina nascida, logo, é excisada,
em nome de Deus, pra sempre mutilada.
prazer carnal é coisa do Diabo,
o sexo é mesmo só pra se ser fecundado,
de pernas abertas para a satisfação,
dos deveres conjugais em promoção.
é sexo fraco, dizem com convicção:
mas aguenta-te aí com a menstruação,
com dores de parto, com a menopausa,
mudanças de humor, sem saber a causa,
alargamento de corpos em gravidezes,
que causam nojos a maior parte das vezes,
porque eras gaja boa, agora és um caco,
afirmam os eles, com humor velhaco...

não me venham com merdas,
que se isto é ser fraco,
não sei o que seja
ser forte, de facto.



sábado, 7 de março de 2009

mulher, apenas


(clicar para aumentar)

Nasci Menina,
Mulher me fiz.
Em dor pequenina,
fui Mãe feliz
de outra Menina
que se fez Mulher
e n'altura devida
gerará outro ser.
Proeza divina,
haja o que houver,
será sempre sina
de uma Mulher.

sexta-feira, 6 de março de 2009

mulheres do mundo # 4




Acabei agora de estender a roupa que lavei à mão, no lavatório da casa de banho. Tive que esfregar bem as camisolas de fato de treino da Maria, para lhe tirar as nódoas do vomitado. Desde há uns meses que é sempre assim. Não come quase nada, recusa alimentar-se em condições, apesar das minhas súplicas e da minha insistência, forço um pouco mais e de lá de dentro, em esguicho, volta a sair tudo o que lá tinha entrado. E eu limpo. E não me zango. E volto a tentar que ela coma uma colher mais.
O nosso beliche, à noite, entra em convulsões frenéticas. São os pesadelos dela, os gritos, os suores, os despertares de olhos arregalados e respirações descontroladas, o reviver de outras noites, de outros pesadelos não sonhados. E eu seguro-a. E acalmo-a. E digo-lhe que vai ficar tudo bem. E volto a tentar que ela adormeça em sossego.
Também não quer ir à escola. Levanto-a todos os dias, à mesma hora, dou-lhe banho, escovo-lhe o cabelo, ponho-lhe os seus travessões preferidos, faço um rabo de cavalo ou uma trança metida, arranjo-lhe a mochila, com os cadernos, os livros, o estojo cheio de lápis de cor que há muito tempo já não usa para colorir seja o que seja, porque agora tudo ficou cinzento e tento que tome o pequeno almoço. Vomita mais uma vez. E suja a roupa. E suja as cuecas, porque se urinou pelas pernas abaixo, quando se olhou no espelho e viu que estava pronta para sair. E eu mudo-lhe a roupa. E lavo-a de novo. E não me zango. E abraço-a. E choro com ela. E digo-lhe que ela é a minha menina. E peço-lhe perdão.
Mesmo que ela quisesse ir, não poderia ir à escola.

Não posso arriscar a que alguém encontre este nosso abrigo.




'No que diz respeito aos dados de identificação da vítima, que recorre aos serviços da APAV, a tendência mantém-se inalterável uma vez que continuam a ser, maioritariamente, as utentes do sexo feminino (87,1%) as vítimas mais visadas. [...] De forma inversamente proporcional, no que diz respeito às vítimas, os autores de crime são em mais de 85% das situações do sexo masculino.'

Dados retirados daqui

quinta-feira, 5 de março de 2009

mulheres do mundo # 3




A infantaria estava a postos, para entrar em acção logo a seguir aos archeiros, alinhados em quatro filas cerradas. Empunhavam setas de pontas afiadas e temperadas na forja do ferreiro do exército, capazes de perfurar facilmente o couro das túnicas de combate dos soldados apeados das forças inimigas, lançadas por arcos esticados com a perícia de longos anos de treino e dedicação.
Ao primeiro toque do tambor, o céu escureceu e o silêncio da manhã pouco desperta desfez-se num silvo de ares rasgados pelo voo de milhares de disparos simultâneos, seguidos por gritos e lamentações de feridos de morte, que logo se misturaram com exclamações de frémitos raivosos por actos heróicos e corridas desenfreadas em direcção à luta corpo a corpo.
Espadas, lanças, maças e tonfas, arremessavam-se à esquerda e à direita, penetrando em corpos protegidos por indefensáveis armaduras e elmos, espirrando o rubro de vidas ceifadas, espalhando-o e misturando-se com a lama calcada. O tropel dos cavalos dos carros de combate juntou-se ao magma de sons e à fúria da batalha, empurrando as fileiras de escudos e obrigando-os a recuar, esmagados pelo ímpeto da segunda vaga de guerreiros. No meio deles, numa montada vigorosa, uma voz de comando bradava ordens, impelia coragem aos seus subordinados, refazia estratégias e o corpo avançava de sabre em punho, escorraçando o inimigo. Do outro lado do campo, o repicar frenético do sino, anunciava a debandada, a retirada dos derrotados, a fuga sem glória e sem honra, a vitória, enfim, do exército de Ming Yungyen Li.
No final, contavam-se os mortos, transportavam-se os feridos até às tendas dos médicos, que se apressavam em ferver águas, ebulir folhas, juntar-lhe raízes, seguindo escrupulosamente os ensinamentos do Canôn Secreto, o pai de todos os livros da medicina chinesa, e por último, enviavam-se os batedores para reclamar os despojos de guerra, que iriam aumentar a fortuna do reino de Tsin.
De regresso à tenda, Yungyen Li desapertou e deixou cair no chão a armadura de tom castanho, presa por tiras vermelhas, a túnica e as perneiras cor de púrpura, pousou o chapéu castanho, amarrado com um laço vermelho e sentou-se a meditar, oferecendo incenso para agradecer aos Deuses a sua vida poupada e a vitória conseguida. Depois, lavou as mãos na água da bacia de madeira, deixando-a tingida de escarlate, refrescou o rosto suado e, finalmente, deixou afundar todo o corpo na tina de metal, onde já repousavam pedaços de cinabre e âmbar para relaxar os músculos.
Não era a primeira vez que Yungyen Li, filha primeira do General Ming Wang Chi, escapava à morte por um triz. Logo que nascera, a sentença de ser rapariga, que devia ter nascido filho varão, empurrou-a para um quase sacrifício nas mãos do próprio pai. Valeu-lhe a intervenção do seu grito poderoso, o mesmo que se ouvia hoje sobre todos os ruídos das ferozes batalhas, de quem se recusa a morrer, apenas por ser mulher.

quarta-feira, 4 de março de 2009

mulheres do mundo # 2



Pousou a mão sobre os olhos, defendendo-se do sol equatorial e olhou a savana para lá do horizonte, em busca de sinais de alerta para o perigo de emboscadas felinas. Colocou a alça do cesto na testa, pendurando-o atrás das costas e iniciou a caminhada até ao poço, escavado no meio da terra de ninguém.
Foi devagar. No ritmo imposto pelo peso da gravidez adiantada, dos seios nus, inchados e prontos a ser abastecidos de colostro e leite farto, o alimento mais rico que o filho iria ter ao longo de toda a sua vida e que a havia de deixar com o peito orgulhosamente espremido, alongado e caído sobre o estômago.
Sorria ao imaginá-lo.
Uma criança saudável, um filho robusto, que ela haveria de criar para se tornar guerreiro, que defenderia o gado e os cereais, para quem guardaria parte do rebanho para ele poder comprar quantas mulheres ele quisesse, três ou quatro que tomariam conta dela quando ela fosse tão velha que não pudesse ir buscar a água ou bater o polme.
No poço, lançou o cesto, deixou-o afundar-se e começou a recolhê-lo já cheio, içando a corda com vigor. Ainda ia a meio quando sentiu a primeira guinada, mas continuou; mais duas braçadas e a segunda contracção; à terceira foi obrigada a parar para respirar fundo, e o cesto subiu até à superfície com um gemido rouco.
Deitou-se na erva alta, coberta de suor, para descansar um momento.
As outras mulheres ainda não lhe tinham dito o que fazer, porque julgavam que ainda era cedo, mas as entranhas em fogo, pediam-lhe para puxar, para expulsar o ser estranho que lhe ocupava o corpo. De cócoras, arrancou as forças, juntou-as num só grito, deixou-se rasgar por dentro, enquanto o caminho se abria e uma cabeça lhe surgia pelo meio das pernas. Pegou-lhe com ambas as mãos e num esforço final, de dentes cerrados, rodou-o e tirou-o, ainda a fumegar do sangue quente do útero distendido, do cordão grosso que ainda ligava os dois, da placenta com que partilharam o alimento e o oxigénio.
No meio dos seus gritos, outro se elevou e o filho berrou pela primeira vez.
Rapidamente, meteu-lhe a mama na boca para o calar, arrastou-se pela erva, para chegar ao cesto e à agua, cortou o cordão com a pedra afiada que usava para desfiar os fetos que entrançava em cordas, lavou-o e embrulhou-o nos panos que apertava à cintura. Os restos do parto foram enterrados com as mãos, antes que as feras os cheirassem, os ouvidos e os olhos em alerta redobrado, num instinto de defesa que até aí lhe era desconhecido e que a fez correr para a segurança da cabana.
Só ali olhou para o filho, para lhe apreciar o rosto.
Só ali reparou que, afinal, era mãe de uma menina e então chorou.

Publicado na Fábrica de Letras

terça-feira, 3 de março de 2009

mulheres do mundo # 1



Uma paisagem branca, totalmente branca, imensamente branca, rodeada por um intenso azul gelado. O silêncio, a imperar nos sentidos adormecidos pelo frio, tanto que, num piscar de olhos, as pestanas congelam e colam-se. Uma aldeia perdida no branco, uma comunidade, uma família à espera do regresso dos homens, que a busca por alimento levou ao mar, na caça à baleia.
Inusiq brincava com os seus irmãos, enquanto a mãe, atiçava a fogueira para espevitar o lume e apressar o derreter do gelo e o ferver da água. Embrulhados em brincadeiras infantis, cabeças, mãos, pés e casacos felpudos, formavam uma bola que dificilmente deixava destrinçar o indivíduo correspondente a cada extremidade. Risos, corridas, bocados de neve arremessados, davam vida ao cenário inóspito, aqueciam o clima e vedavam a entrada aos ventos do isolamento.
As outras mulheres cosiam peles com agulhas de osso, retiradas de carnes que não coziam, ricas em ácidos gordos e congeladas em fossos comunitários, escavados quatro metros abaixo do solo; faziam casacos, mantas e outros agasalhos com pelo de focas, mortas segundo a tradição inuíte, a fazer enraivecer qualquer activista dos direitos dos animais, a resguardar a sobrevivência das famílias.
Inusiq parou de brincar. A mãe chamava-a. Apesar do sol estar alto, era altura de ir dormir. Pediu à mãe para lhe contar de novo a lenda da Deusa Sedna, a Raínha do Décimo Planeta e as suas aventuras com a gaivota que a enganou, o mar que a engoliu e o sangue que fez aparecer novas espécies de peixes e animais marinhos. Ela fez-lhe a vontade e no final lambeu-a com carinho.
Deixou-a adormecer.
Os homens tardavam e só deviam chegar com a Aurora Boreal, quando no céu, os espíritos dos antepassados se haviam de mostrar, numa dança de cores que mostrava o Inferno, o local gelado que as almas inquietas iram ocupar.

segunda-feira, 2 de março de 2009

caligrafias



Nos desenhos de uma letra,

encerro a alma de um pensamento,

decalque que no papel penetra,

prisão eterna de um sentimento,

imobilidade de um momento,

em fórmula mais do que secreta.